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São Paulo, quarta-feira, 29 de janeiro de 2003

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LUÍS NASSIF

O BNDES, a escrita e a fala

O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa, padece da chamada "dissonância cognitiva" entre o que escreve e o que fala. Seu discurso de posse, no banco, tinha nexo e, em linhas gerais, abordava o que se espera de um banco de desenvolvimento. Dizia que banco de desenvolvimento não é banco de investimento, porque, enquanto o segundo privilegia a segurança, o primeiro precisa apoiar setores novos, que sejam relevantes para o país.
Igualmente correto é seu conceito de "operação-hospital". Quando uma empresa viável é inviabilizada por problemas de gestão ou de capitalização, deve-se afastar o empresário, mas preservar a empresa. Se fechada, perdem os empregados, perdem os credores e perde o país. Não faz sentido, no entanto, colocar o BNDES como gestor de empresas em dificuldades.
No plano das declarações, o meio-de-campo embola. Tome-se sua afirmação de que o banco vai se engajar no Fome Zero, financiando indústrias de alimento, especialmente da cadeia protéica, e a logística de distribuição. Ou sua declaração de que "entre financiar uma indústria para dar alimentos ou uma emissão de capital vou para a indústria".
O problema da fome no Brasil é de renda, não de insuficiência de produção de alimentos. O banco vai continuar financiando a indústria de alimentos, assim como a de autopeças, a indústria de base, de base tecnológica e outras que se habilitarem aos seus financiamentos, porque esse é seu papel. Vai financiar a logística porque ela é fundamental para o aumento da competição interna. O fato de alimentos transitarem pelos novos caminhos abertos não tornará o banco mais ou menos engajado no Fome Zero, porque esse não é seu papel.
Também é falso o dilema entre financiar indústria de alimentos ou emissão de capital. Confunde-se setor de produção com modelo de capitalização.
Declara que a prioridade do banco é a "inclusão social" e que irá privilegiar a geração de empregos. Dito assim, fica parecendo que definiu como prioridade apoiar setores de mão-de-obra intensiva -justamente os que menos agregam valor, os que menos aumentam a renda e os que menos ajudarão o país a se tornar competitivo internacionalmente e, certamente, os que menos se encaixam no conceito de "setores novos", defendido por ele próprio.
Quando ele diz que o novo modelo de atuação do BNDES não será o de JK, nem o de Vargas, nem o de Geisel, ótimo! Mas qual o modelo? Fome Zero pode vir a ser modelo de política social, não de política de desenvolvimento. O discurso escrito esclarece alguns pontos; o discurso falado confunde. Como a fala rende mais manchetes do que a escrita, seria prudente policiar-se mais nas declarações.

Fome tutelada
Essa história de o Fome Zero controlar como deve ser gasto o dinheiro distribuído aos famintos é o auge da síndrome da tutela e do academicismo. Montar uma estrutura em âmbito nacional para adquirir alimentos, definir que o beneficiado pode comprar arroz e feijão, mas não pode comprar bolachas, exigir nota fiscal para comprovar o que foi comprado é de uma falta de senso fantástica.
É operacionalmente inviável, politicamente autoritário, socialmente antipedagógico. Na maioria das cidades ou esses conselhos municipais serão manipulados pelos respectivos prefeitos ou pelos fornecedores ou politizarão a bandeira. Será a volta dos padrinhos na política social.

E-mail - LNassif@uol.com.br

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