|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
A indústria estéril da arbitragem
O sábio recluso me escreve
de novo. Andou analisando
a indústria da arbitragem de juros, criada pelo Plano Real e
mantida pelo governo Lula. Consiste em trazer dólares de fora, a
um custo baixo, e aplicar aqui
em títulos públicos, à taxa Selic,
sem risco, tudo garantido pelo
Banco Central.
Ele compara esse ciclo de rendimentos parasitários às lavras de
ouro e de diamantes, nos primórdios da colonização, e ao tráfico
de escravos, negócio central do
capitalismo brasileiro por 200
anos, estabelecendo em torno dele um anel de negócios paralelos
de navegação, bancos e seguros.
Tal qual o tráfico negreiro, o
negócio da arbitragem tem poderosos apoios no governo e nos círculos do poder. Seus donos e beneficiários se dividem em três
grupos:
1. Bancos grandes, médios e pequenos e suas ramificações auxiliares, empresas de leasing, holdings financeiras e administradoras de cartões de crédito que
conseguem linhas de crédito no
exterior. Bancos, mesmo pequenos, estão hoje conseguindo captar no exterior com extrema facilidade, dada a exorbitante liquidez internacional.
2. Empresas da economia produtiva de grande porte que têm
cadastro para captar no exterior.
Nesse grupo contam-se aproximadamente 120 empresas brasileiras.
3. Brasileiros com depósitos e
aplicações em moeda estrangeira, registrados ou não no BC, que
podem usar esses recursos como
lastro para captar no exterior.
São US$ 94 bilhões registrados no
BC mais uma estimativa média
de depósitos não declarados de
US$ 120 bilhões.
Esses três grupos conseguem levantar grandes volumes de dólares ou euros a taxas de até 4% ao
ano, ou mais altas quando o devedor está legalmente no Brasil,
mas ainda assim por menos da
metade das taxas internas.
Como a dívida pública em
reais está hoje com um volume
equivalente a US$ 400 bilhões e
não cessa de crescer (só em 2005
cresceu 21%), a disponibilidade
de papéis para arbitragem é quase ilimitada, diz ele. De 45% a
50% do total da dívida pública
interna está lastreando operações de arbitragem.
Os donos da arbitragem hoje
comandam toda a lógica da política monetária. É a esses interesses que está subordinada a política monetária do Copom, o manejo da política cambial, a obsessão com as metas de inflação como centro de toda a política econômica, o incompreensível desprezo do BC pelos números da
economia produtiva , o crescimento brasileiro, muito inferior
a todos os grandes emergentes,
inferior à média da América Latina, inferior à média mundial e
inferior à média do crescimento
da África em 2005 (4,7%). Só há
um público para o Copom: os donos da liquidez, beneficiários dos
negócios da arbitragem.
Tome-se o exemplo:
1. O investidor pegou um empréstimo de US$ 10 milhões no
exterior e entrou no Brasil no início de 2003, com o dólar a R$
3,50. Converteu e aplicou R$ 35
milhões em papéis Selic por três
anos, a uma média de rentabilidade de 20% ano (apenas para
exemplificar).
2. No primeiro ano os papéis
valiam R$ 42 milhões; no segundo ano, R$ 50,4 milhões; no terceiro ano, R$ 60 milhões.
3. No resgate, ele pode recomprar os dólares a R$ 2,25, ficando
com US$ 26,66 milhões. Pagou os
US$ 10 milhões do empréstimo,
mais US$ 2,5 milhões de juros.
Seu lucro foi de US$ 14,1 milhões,
quase uma vez e meia seu capital
inicial, em apenas três anos,
além do rendimento de sua aplicação original que lastreou o empréstimo.
Trata-se de uma operação fantástica, única no planeta. Existem no Brasil meia dúzia de grupos com capacidade de tomar individualmente mais de US$ 1 bilhão cada um, outra dezena ou
pouco mais com captações individuais de US$ 500 milhões a
US$ 1 bilhão e na faixa dos US$
100 milhões a US$ 200 milhões
existem empresas até desconhecidas do grande público, calcula ele.
Os lucros da arbitragem são estéreis, não derivam da criação de
riqueza e produzem, ao contrário,
grande concentração de renda e
riqueza.
O nó górdio da economia consistirá em romper com esse círculo
vicioso induzindo o grande capital a investir na atividade produtiva.
Radamés
Viva os 250 anos de Mozart!
Mas os 100 anos de Radamés
Gnatalli passarem em branco é o
fim!
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Profissão é 100% masculina, diz estudo Próximo Texto: Receita secreta: BC adota autocensura e dificulta comunicação Índice
|