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OPINIÃO ECONÔMICA
Um hospício em autogestão
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Algumas pessoas afirmam
que são meus leitores frequentes ou até constantes. Vocês
mal imaginam a importância
que isso tem para um redator
de modestos artigos semanais.
Nessas ocasiões, a vaidade autoral dá arrancos triunfais de
cachorro atropelado, como diria Nelson Rodrigues.
Bem. É sobretudo a esses leitores assíduos que me dirijo
hoje.
Não sei se vocês dão conta de
como é difícil a comunicação
entre um colunista e seus leitores, mesmo fiéis. As reações aos
artigos da semana passada e
retrasada confirmaram essa
minha convicção já antiga. Por
exemplo, um leitor, Aldo Portolano, observa que a aceleração das minidesvalorizações
cambiais (defendida nesta coluna na quinta-feira retrasada) não vai resolver nossos
problemas externos. Não podemos mais viver tapando buracos, diz ele.
Por outro lado, muitos leitores clamam por "propostas alternativas" de política econômica e insistem que os críticos
da política econômica devem
especificar as medidas que
consideram necessárias.
Estão todos com a razão. Mas
vejam o drama. Uma discussão
programática nunca é simples,
particularmente quando se
trata de ir além do exame de
medidas tópicas ou de ajustes
pontuais. Ela tem certos pressupostos, que os homens práticos (ou falsamente práticos)
nem sempre se dispõem a considerar.
Se se trata de discutir uma
reorientação global da agenda
nacional e da estratégia macroeconômica e de inserção internacional do país -e é disso
que se trata- é preciso, por
exemplo, ter um bom diagnóstico da natureza dessa agenda
e dessa estratégia. É preciso,
também, formar uma avaliação clara do quadro mundial.
Em meio ao ruído e à desinformação propagados pelos meios
de comunicação, não é fácil,
nada fácil, assegurar esses
pressupostos.
Por falta de espaço, vou tratar só da questão internacional. No último artigo, posso ter
passado uma impressão errada. Não há por enquanto
"crash global", mas daí não segue que as dificuldades recentes de diversos países, inclusive
as do Brasil, não tenham uma
dimensão internacional de
crucial importância.
A instabilidade financeira
internacional, que se manifestou de forma mais aguda desde
fins do ano passado, não se reduz aos erros e desmandos dos
países mais atingidos no leste
da Ásia e em outras regiões. Há
um componente que transcende e envolve as trajetórias das
diferentes economias e políticas econômicas nacionais.
Refiro-me à fenomenal expansão dos fluxos financeiros
nas décadas recentes. É no terreno financeiro que as transações internacionais vêm apresentando expansão mais acentuada. Desde os anos 70, a remoção de controles sobre os
movimentos internacionais de
capital e a desregulamentação
dos mercados financeiros domésticos, combinadas com o
rápido progresso tecnológico
em computação e comunicações e com a sofisticação crescente dos instrumentos financeiros, produziram ampliação
extraordinária dos mercados,
especialmente dos fluxos internacionais.
Nos anos 90, esses fluxos alcançaram dimensões espantosas. Grande parte da periferia
latino-americana foi reabsorvida pelo processo de expansão
financeira e incorporada às fileiras dos promissores "mercados emergentes".
O problema é que, em tempos
de vacas gordas, essa expansão
desmedida e descontrolada dos
movimentos internacionais de
capitais, grande parte dos
quais de curto prazo ou voláteis, estimula comportamentos
imprudentes. Dá sobrevida a
políticas econômicas problemáticas: agradáveis no início,
mas insustentáveis a longo
prazo. À medida que passa o
tempo, os problemas e passivos
externos se avolumam. A correção dos problemas vai se tornando mais difícil e mais dolorosa.
Um agravante está no fato de
que os mercados financeiros
tendem a se mover em ondas.
Prevalecem frequentemente a
desinformação e os modismos.
Ou a influência temporária da
expansão da liquidez e de taxas de juro moderadas nas economias centrais.
O interesse exagerado pelos
"mercados emergentes" nos
anos 90 é um exemplo recente
disso. Enquanto a moda durou, a manada de investidores
e especuladores comprava com
entusiasmo papéis desses países ou de empresas desses países. O entusiasmo gerava valorização dos ativos em questão e
novas ondas de compras e de
entusiasmo.
A ganância e a perspectiva de
lucros rápidos são as molas
propulsoras dos processos especulativos. A coisa toda assume,
não raro, a aparência de um
hospício em autogestão. Infelizmente, acaba chegando um
momento em que o sentimento
dos mercados muda abruptamente. O movimento da manada financeira muda de direção
de repente, causando estragos
fenomenais nas economias
mais endividadas da periferia
do sistema internacional.
É o que está acontecendo
agora. Estamos vivendo os estertores de um boom especulativo em escala internacional. A
não ser pela escala e velocidade dos fluxos de capital, não há
grande novidade no fenômeno.
A América Latina já viveu processos semelhantes, mais ou
menos sincronizados, várias
vezes desde o século passado.
Se isso tudo é tão velho, pelo
menos em suas linhas gerais,
por que é que os países se metem recorrentemente nessas
frias? Eis aí uma questão interessante. Ao contrário do que
às vezes sugere a polêmica conjuntural, a origem do problema não está apenas e nem
principalmente em "erros" de
avaliação de tecnocratas entreguistas, ignorantes ou deslumbrados, encastelados na Fazenda e no Banco Central.
Mais importante é lembrar
que há muita gente de peso,
dentro e fora dos países, que
ganha dinheiro, muito dinheiro, nas fases favoráveis dos ciclos de endividamento externo.
E, quando ocorre a reversão
desses ciclos, os interesses financeiros externos e internos
conseguem, em geral, socializar os prejuízos e os custos das
crises cambiais e financeiras.
Enquanto países como o Brasil não encontrarem uma forma de se livrar do jugo dessa
aliança entre tecnocracias
apátridas e grupos financeiros
sem escrúpulos, não haverá
condições de realizar as aspirações de desenvolvimento econômico e social da maioria da
população.
Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da
Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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