São Paulo, quinta, 29 de janeiro de 1998

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LUÍS NASSIF
O papel dos Tribunais de Contas

Dentro do novo federalismo, os Tribunais de Contas terão papel central no disciplinamento das contas municipais. Esta é a esperança do novo presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE), Roque Citadini.
Citadini reconhece como corretas as críticas da coluna de que a fiscalização tem se dedicado apenas aos aspectos formais dos contratos públicos, e não à análise do mérito. Não considera que esse tenha sido o caso do "Plano Empresário" da Companhia Habitacional de Desenvolvimento Urbano (CDHU) de São Paulo -cuja avaliação motivou minhas dúvidas. Mas sustenta que ou um TC sabe fazer auditoria ou não faz nada.
Apenas depois do Plano Real, no entanto, os orçamentos públicos recobraram sua eficácia. Essa mudança fez com que, nos últimos tempos, o TCE passasse a discutir novos modelos de fiscalização.
Para tanto, passou a estudar os manuais de auditoria dos Estados Unidos e da Alemanha. Tem buscado alguma ajuda na universidade, para definir critérios de avaliação. Mas não encontrou contribuições relevantes no setor privado, cuja fragilidade ficou comprovada a partir dos casos Econômico e Nacional.
O modelo de TC que mais o tem impressionado é o da americana General Account Office. Não se limita a analisar aspectos formais de contratos, mas também a avaliar se é bom ou mau negócio para o setor público.
Essa visão mais pragmática tem permitido ao poder público americano inovar. No terremoto de Los Angeles, por exemplo, definiram-se bônus para cada dia de antecipação das obras. Conseguiu-se acelerar de maneira inédita a reconstrução. No Brasil, tais práticas seriam proibidas pela Lei das Licitações.
Com controles
Citadini está longe de propor sistemas sem controle nas licitações -como ocorria com os Tigres asiáticos, cujo modelo "descomplicado" permitia a prática de toda sorte de compadrio.
Mas identifica problemas operacionais óbvios nas licitações brasileiras. O principal é proceder-se primeiro à habilitação dos participantes para só depois abrir o preço. A lógica seria escolher o vitorioso pelo critério de preço. Depois, analisar especificamente sua habilitação, e de maneira mais rigorosa ainda do que hoje. Em lugar de dezenas de habilitações, com todos os atrasos decorrentes de impugnações, se faria apenas uma ou duas.
O grande desafio dos TCs, no entanto, será estabelecer disciplina para os orçamentos públicos municipais. Nos últimos anos, o TCE (que fiscaliza o Estado e todos os municípios paulistas, menos capital) definiu reduções gradativas nos limites de endividamento dos municípios, visando estabelecer uma disciplina orçamentária. Para tanto, dispõe de um poder de coerção absoluto: governante que tiver suas contas rejeitadas não poderá ser candidato a cargo eletivo.
No primeiro ano após o Real, o TCE tolerou um limite de 15% de déficit público. No segundo, de 10%. Aceita estouros apenas em casos excepcionais, como de calamidade pública. Em 1997, apesar do aperto, os municípios paulistas tiveram o ano de maior equilíbrio orçamentário.
Caso CDHU
O "Plano Empresarial" foi criado na Caixa Econômica Federal (CEF) no período Collor. A montagem foi feita pela construtora Schaim Cury -a mesma que motivou o telefonema de Leopoldo Collor a Motta Veiga, da Petrobrás, deflagrando a primeira crise séria do governo.
Para driblar a morosidade das licitações para conjuntos habitacionais, as empresas eram autorizadas a adquirir terrenos, construir os conjuntos e obter financiamento da CEF.
Com o fim do governo, muitas empreiteiras que tinham acesso fácil ao governo Collor tentaram trazer o programa para São Paulo. Lançaram no final do governo Fleury. Depois, o governo Covas interrompeu, mas acabou retomando por meio da CDHU.
Citadini reconhece que, nas grandes cidades, esse processo pode eventualmente ter méritos. Mas tem a contra-indicação de impedir a competição: só vai adquirir terreno o empresário que tiver certeza de que o projeto será aceito.
Em pequenas cidades não há a menor lógica, diz ele. Na maioria absoluta das cidades, as prefeituras cedem de graça o terreno, em troca do conjunto habitacional. Por que, então, eliminar a competição, indaga ele? No único caso de competição registrado, os preços foram 30% mais baixos do que os preços definidos pela CDHU. Em todos os demais, ficaram perto do limite.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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