São Paulo, sábado, 29 de março de 2008

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Bush quer equipes do Fed nas empresas

BC dos EUA pode se tornar "regulador de estabilidade" e ser autorizado a colher informações de qualquer instituição financeira

Proposta revisa papel de agências regulatórias, que, dizem especialistas, falharam ao não detectar excessos nos empréstimos de hipotecas

DO NEW YORK TIMES, EM WASHINGTON

A administração Bush vai propor, na segunda, que o Congresso confira poderes amplos ao Federal Reserve (BC dos EUA) para vigiar a estabilidade do mercado. Na prática, vai dotar o Fed de equipes de elite para serem enviadas a qualquer parte do setor financeiro ou instituição que possa vir a representar um risco ao sistema financeiro como um todo.
A proposta integra um plano abrangente de revisão da miscelânea de agências regulatórias dos EUA, que, segundo muitos especialistas, falhou ao deixar de tomar nota dos excessos flagrantes nos empréstimos de hipotecas antes que desencadeassem a calamidade financeira que já está sendo vista como a pior em décadas.
Segundo um resumo fornecido pelo governo, a proposta é consolidar as agências regulatórias de bancos e títulos, formando um trio de fiscais responsáveis por tudo, de bancos e corretoras a fundos hedge (altamente especulativos) e firmas de private equity (participações em empresas).
O plano vai expor os bancos de investimentos e os fundos hedge de Wall Street a escrutínio maior, mas toma o cuidado de evitar qualquer chamado por regulamentação mais rígida. Ele não se propõe a refrear as práticas que vêm sendo responsabilizadas pelo caos do setor habitacional e de hipotecas, como o de incluir empréstimos de alto risco juntamente com valores mobiliários com a mais alta classificação.
O plano deve conferir ao Fed alguma autoridade sobre as firmas de Wall Street, mas só se práticas de bancos de investimentos ameaçarem o sistema financeiro como um todo.
Ele não recomenda a imposição de normas mais rígidas aos mercados grandes e em grande medida não regulamentados de hedging e partilha de riscos, como "credit default swaps" (swaps de crédito), que supostamente deveriam segurar os credores contra perdas, mas se converteram em instrumento especulativo por conta própria.
Algumas mudanças podem reduzir o poder da SEC (equivalente à CVM). A proposta fundiria o órgão com a Comissão Reguladora de Operações e Futuros com Commodities, que regulamenta futuros de petróleo, grãos e semelhantes negociados na Bolsa. O plano sugere várias áreas que a SEC deveria fiscalizar de maneira mais leve, por exemplo dando margem de manobra maior às Bolsas de Valores para se auto-regularem e enxugando a aprovação de produtos, permitindo a aprovação automática de produtos de títulos negociados em mercados externos.

Modernização
A proposta começou, de fato, no ano passado como um esforço do secretário do Tesouro, Henry Paulson, para tornar os mercados financeiros americanos mais competitivos em relação aos estrangeiros, modernizando o sistema regulatório.
O objetivo era enxugar regras diferentes e até conflitantes a bancos comerciais e credores bancários não hipotecários.
"Não estou sugerindo que a resposta seja mais regulamentação nem mesmo que uma regulamentação mais eficaz seja capaz de impedir os períodos de estresse no mercado financeiro que parecem ocorrer a cada cinco ou dez anos", dirá Paulson, segundo um rascunho de um discurso que ele pretende fazer na segunda. "Estou sugerindo que devemos e podemos ter uma estrutura projetada para o mundo em que vivemos -mais flexível."
Quase todos os elementos da proposta terão que ser aprovados pelo Congresso, onde líderes democratas já redigem projetos de lei para impor supervisão mais rígida sobre os bancos de investimentos, fundos hedge e o mercado rapidamente crescente de derivativos como credit-default swaps.
A proposta de Paulson ecoa idéias defendidas pelo deputado democrata do Massachusetts Barney Frank, presidente do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos Deputados. No entanto, Frank provavelmente vai propor um papel mais forte para o Fed e defender a sujeição dos bancos de investimentos às mesmas regras dos bancos comerciais.
Pela proposta a ser apresentada pelo Tesouro, o Fed se tornaria o "regulador de estabilidade do mercado" e seria autorizado a colher informações de virtualmente qualquer instituição financeira. Representantes do Fed seriam autorizados a examinar as práticas e até mesmo a contabilidade de corretoras, fundos hedge, Bolsas de commodities e outras instituições que possam representar um risco ao sistema financeiro.
Isso representará uma ampliação significativa da regulação do BC, que até agora tem sido limitada principalmente a supervisionar os bancos comerciais. No início do mês, quando o Fed resgatou o Bear Stearns, quinto maior banco de investimentos dos EUA, o BC ressaltou que nunca tinha sido autorizado a monitorar sua condição financeira ou reforçar suas proteções.
Em duas medidas inusitadas, o Fed orquestrou um casamento forçado entre o Bear Stearns e o JPMorgan e emprestou US$ 29 milhões para impedir o pedido de falência do Bear e a seqüência de moratórias que poderiam ter se seguido. Pela primeira vez desde os anos 1930, o Fed também autorizou os bancos de investimentos a emprestar centenas de bilhões de dólares no "discount window", programa de emergência para bancos comerciais e outras instituições depositárias.
Mas a proposta de Paulson não vai se constituir na regulamentação proposta por democratas. Lideranças argumentam que os bancos de investimentos e outras instituições pouco regulamentadas hoje competem diretamente com os bancos comerciais e deveriam ser sujeitos ao mesmo tipo de regulamentação que estes.
Em entrevista, Frank disse que percebeu a necessidade de regulamentação mais rígida de firmas de Wall Street depois de uma reunião com Charles O. Prince 3, então presidente do conselho do Citigroup, na qual perguntou por que o banco mantivera bilhões de dólares em "veículos de investimento estruturado" (SIVs), fora do balanço. Prince disse que o Citigroup teria ficado em desvantagem, porque as firmas de investimentos podem operar com dívida maior e reservas menores de capital.
O senador democrata Charles E. Schumer, de Nova York, adota posição semelhante. "Os bancos comerciais continuam a ser vigiados estreitamente e são sujeitos a uma multidão de regras que visam limitar os riscos sistêmicos, mas muitas outras instituições financeiras são sujeitas a pouca ou nenhuma regulamentação, apesar de, sob muitos aspectos, atuarem como bancos."


Tradução de CLARA ALLAIN


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