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Brasil tem poucas armas contra crise, diz EIU
Para Justine Thody, diretora para AL da Economist Intelligence Unit, só Chile fez microrreformas necessárias contra crise
Consultoria ligada à revista
"The Economist", que previa
retração de 0,4% na economia
brasileira neste ano,
agora estima queda de 1,5%
CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL
O crescimento da América
Latina depende da exportação
de commodities, de investimentos estrangeiros e da remessas de imigrantes -fatores
em queda e com tendência a
piorar. Já o mercado interno
está ameaçado pela retração no
emprego e nos ganhos sociais e
ainda pela maior entrada de
importados, sobretudo chineses. Tudo somado, a tensão social tende a crescer, com risco
de levar ao aumento da criminalidade e, em alguns países, a
colocar em risco as eleições.
Nesse cenário, o Brasil não
passará impune, apesar de ser o
país da região que deve sofrer
menor impacto. A previsão é de
Justine Thody, diretora regional da Economist Intelligence
Unit. O braço da consultoria ligada à revista "The Economist"
reúne um time de 100 analistas
fixos e outros 500 pesquisadores especializados em projeções econômicas.
A consultoria acaba de aumentar sua previsão de encolhimento do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Um dos
motivos é a pouca capacidade
do governo de manter, por longo prazo, políticas anticíclicas,
como explica nesta entrevista.
FOLHA - A consultoria acaba de
projetar que o PIB brasileiro encolherá ainda mais em 2009. Será retração de 1,5%, em vez do -0,4%
previsto anteriormente. Por quê?
JUSTINE THODY - Apesar de o Brasil ter uma economia mais fechada do que outros países e de
ter mais resistência, a indústria
é muito exposta à queda nas exportações e nos investimentos.
Isso terá reflexos no setor de
serviços, com efeito em cadeia.
Na última semana, visitei clientes, falei com analistas e economistas e, depois de conversar
com as pessoas, estou contente
com a projeção de retração de
1,5% [no PIB]. Não creio que a
revisemos de novo.
FOLHA - Não revisará ainda mais
para baixo. E para cima? A parada
brusca do fim do ano não pode ter sido apenas de ajuste?
THODY - A retomada da atividade no setor automobilístico,
por exemplo, é um caso muito
especial. Há uma defasagem
dos efeitos da crise que ainda
não foi sentida, entre outros,
pelo setor de serviços. As dificuldades financeiras que as
empresas de pequeno e médio
portes estão enfrentando também sofrem dessa defasagem.
Para eles, é mais difícil conseguir crédito, que também está
mais caro. Os pequenos e médios podem resistir até certo
ponto, mas, se não melhorar -e
achamos que não melhorará
rapidamente-, a resistência
deles será minada.
FOLHA - A contração será forte?
THODY - A economia e a produção do Brasil estavam num patamar muito alto de crescimento. Num contexto global, a contração será moderada. Ela
acontecerá porque, embora o
sistema financeiro seja forte e
bem capitalizado, ele não é
isento de efeitos externos.
Além de a liquidez estar mais
restrita, também há o efeito
multiplicador da queda da produção industrial, afetada pela
demanda externa. Apesar de o
investimento direto estrangeiro ter se mantido, ele também
sofre o efeito defasado. Os
grandes projetos de investimento externo são contratados
com muita antecedência. Agora
se vai perceber o impacto da
restrição do crédito mundial.
FOLHA - Há contas que indicam
que 35% da renda dos brasileiros independe de crise, já que vêm do funcionalismo público, pensões e Bolsa
Família. Esse dinheiro também não
minimizará o impacto da crise?
THODY - Sim. A rede de proteção social no Brasil é mais efetiva do que em muitos países em
desenvolvimento. Porém um
risco que vejo é o de a receita
fiscal cair mais do que o governo prevê. Isso afetará não só o
governo federal como também
os estaduais e municipais. Em
alguns Estados, os governos
vão ter dificuldades para pagar
salários. O efeito de a receita
cair mais do que o governo estima vai ser compensado em parte pela queda dos juros. Por outro lado, prejudica na manutenção dos compromissos de
investimentos. Por isso, vai ser
difícil haver um efeito contracíclico muito forte. Essa é uma
das razões pelas quais o governo não vai evitar completamente a crise. O Brasil não tem
grande espaço de manobra em
termos de política anticíclica.
FOLHA - Por que este deve ser o
pior ano da crise?
THODY - Uma das premissas
fundamentais das projeções
para 2010 está na eficácia dos
pacotes fiscais, sobretudo dos
Estados Unidos e da China. No
fim do ano, o plano Geithner
[de recuperação de papéis tóxicos, sem valor comercial] vai
começar a restaurar a confiança no mercado financeiro. Há,
no entanto, riscos muito grandes e muitas dúvidas.
FOLHA - O que muda no ranking
dos países mais atraentes para fazer
negócio com a crise?
THODY - Comparamos a atratividade do ambiente de negócios em 82 países nos últimos
cinco anos com uma projeção
dos próximos cinco anos. O potencial de crescimento a longo
prazo depende da qualidade
institucional. O problema é
que, na maioria dos países da
América Latina, com exceção
do Chile, não houve avanços
nas reformas de microeconomia. Nos últimos anos, a abundância global e o crescimento
da economia mascararam a falta de progresso nessa área.
Agora, a situação política vai
ser mais difícil. O governo vai
ser culpado, não pela crise, mas
pelo manejo e pelo gerenciamento de medidas anticíclicas.
Vai ser mais difícil avançar nessas reformas que são muito
contenciosas politicamente.
No caso brasileiro, uma das
premissas para o longo prazo
envolvia a melhora na infraestrutura, no sistema financeiro
para a baixa do "spread" bancário e de enfrentamento do problema da burocracia. Fica mais
difícil avançar nessas reformas.
FOLHA - Vocês apontam um recrudescimento na política monetária,
tão logo a economia volte a crescer.
Isso afetará muito o Brasil?
THODY - O Banco Central do
Brasil vai permanecer conservador. Aos primeiros sinais de
volta inflacionária, é bem provável um aperto monetário.
Vão baixar [a taxa básica de juros] mais neste ano e não vai
haver aperto em 2010.
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