São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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Brasil tem poucas armas contra crise, diz EIU

Para Justine Thody, diretora para AL da Economist Intelligence Unit, só Chile fez microrreformas necessárias contra crise

Consultoria ligada à revista "The Economist", que previa retração de 0,4% na economia brasileira neste ano, agora estima queda de 1,5%


CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

O crescimento da América Latina depende da exportação de commodities, de investimentos estrangeiros e da remessas de imigrantes -fatores em queda e com tendência a piorar. Já o mercado interno está ameaçado pela retração no emprego e nos ganhos sociais e ainda pela maior entrada de importados, sobretudo chineses. Tudo somado, a tensão social tende a crescer, com risco de levar ao aumento da criminalidade e, em alguns países, a colocar em risco as eleições.
Nesse cenário, o Brasil não passará impune, apesar de ser o país da região que deve sofrer menor impacto. A previsão é de Justine Thody, diretora regional da Economist Intelligence Unit. O braço da consultoria ligada à revista "The Economist" reúne um time de 100 analistas fixos e outros 500 pesquisadores especializados em projeções econômicas.
A consultoria acaba de aumentar sua previsão de encolhimento do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Um dos motivos é a pouca capacidade do governo de manter, por longo prazo, políticas anticíclicas, como explica nesta entrevista.

 

FOLHA - A consultoria acaba de projetar que o PIB brasileiro encolherá ainda mais em 2009. Será retração de 1,5%, em vez do -0,4% previsto anteriormente. Por quê?
JUSTINE THODY
- Apesar de o Brasil ter uma economia mais fechada do que outros países e de ter mais resistência, a indústria é muito exposta à queda nas exportações e nos investimentos. Isso terá reflexos no setor de serviços, com efeito em cadeia. Na última semana, visitei clientes, falei com analistas e economistas e, depois de conversar com as pessoas, estou contente com a projeção de retração de 1,5% [no PIB]. Não creio que a revisemos de novo.

FOLHA - Não revisará ainda mais para baixo. E para cima? A parada brusca do fim do ano não pode ter sido apenas de ajuste?
THODY
- A retomada da atividade no setor automobilístico, por exemplo, é um caso muito especial. Há uma defasagem dos efeitos da crise que ainda não foi sentida, entre outros, pelo setor de serviços. As dificuldades financeiras que as empresas de pequeno e médio portes estão enfrentando também sofrem dessa defasagem. Para eles, é mais difícil conseguir crédito, que também está mais caro. Os pequenos e médios podem resistir até certo ponto, mas, se não melhorar -e achamos que não melhorará rapidamente-, a resistência deles será minada.

FOLHA - A contração será forte?
THODY
- A economia e a produção do Brasil estavam num patamar muito alto de crescimento. Num contexto global, a contração será moderada. Ela acontecerá porque, embora o sistema financeiro seja forte e bem capitalizado, ele não é isento de efeitos externos. Além de a liquidez estar mais restrita, também há o efeito multiplicador da queda da produção industrial, afetada pela demanda externa. Apesar de o investimento direto estrangeiro ter se mantido, ele também sofre o efeito defasado. Os grandes projetos de investimento externo são contratados com muita antecedência. Agora se vai perceber o impacto da restrição do crédito mundial.

FOLHA - Há contas que indicam que 35% da renda dos brasileiros independe de crise, já que vêm do funcionalismo público, pensões e Bolsa Família. Esse dinheiro também não minimizará o impacto da crise?
THODY -
Sim. A rede de proteção social no Brasil é mais efetiva do que em muitos países em desenvolvimento. Porém um risco que vejo é o de a receita fiscal cair mais do que o governo prevê. Isso afetará não só o governo federal como também os estaduais e municipais. Em alguns Estados, os governos vão ter dificuldades para pagar salários. O efeito de a receita cair mais do que o governo estima vai ser compensado em parte pela queda dos juros. Por outro lado, prejudica na manutenção dos compromissos de investimentos. Por isso, vai ser difícil haver um efeito contracíclico muito forte. Essa é uma das razões pelas quais o governo não vai evitar completamente a crise. O Brasil não tem grande espaço de manobra em termos de política anticíclica.

FOLHA - Por que este deve ser o pior ano da crise?
THODY
- Uma das premissas fundamentais das projeções para 2010 está na eficácia dos pacotes fiscais, sobretudo dos Estados Unidos e da China. No fim do ano, o plano Geithner [de recuperação de papéis tóxicos, sem valor comercial] vai começar a restaurar a confiança no mercado financeiro. Há, no entanto, riscos muito grandes e muitas dúvidas.

FOLHA - O que muda no ranking dos países mais atraentes para fazer negócio com a crise?
THODY
- Comparamos a atratividade do ambiente de negócios em 82 países nos últimos cinco anos com uma projeção dos próximos cinco anos. O potencial de crescimento a longo prazo depende da qualidade institucional. O problema é que, na maioria dos países da América Latina, com exceção do Chile, não houve avanços nas reformas de microeconomia. Nos últimos anos, a abundância global e o crescimento da economia mascararam a falta de progresso nessa área. Agora, a situação política vai ser mais difícil. O governo vai ser culpado, não pela crise, mas pelo manejo e pelo gerenciamento de medidas anticíclicas. Vai ser mais difícil avançar nessas reformas que são muito contenciosas politicamente. No caso brasileiro, uma das premissas para o longo prazo envolvia a melhora na infraestrutura, no sistema financeiro para a baixa do "spread" bancário e de enfrentamento do problema da burocracia. Fica mais difícil avançar nessas reformas.

FOLHA - Vocês apontam um recrudescimento na política monetária, tão logo a economia volte a crescer. Isso afetará muito o Brasil?
THODY
- O Banco Central do Brasil vai permanecer conservador. Aos primeiros sinais de volta inflacionária, é bem provável um aperto monetário. Vão baixar [a taxa básica de juros] mais neste ano e não vai haver aperto em 2010.


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