São Paulo, domingo, 29 de março de 2009 |
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G20 trocará número por "senso de direção"
Na cúpula em Londres, líderes das maiores economias convergem para a restauração da saúde do sistema financeiro
CLÓVIS ROSSI ENVIADO ESPECIAL A LONDRES Seria ilusório esperar que, no dia 3 de abril, um dia depois de encerrada a cúpula de Londres do G20, as maiores economias do planeta, o mundo saísse do sufoco. Mas seus organizadores torcem para que os governantes consigam transmitir ao público em geral "um senso de direção e um plano", como diz Malloch Brown, o "sherpa" do governo britânico para a cúpula. "Eles têm de convencer a comunidade global de que estão no comando e sabem o que estão fazendo", afirma o "sherpa", designação que se usa em todas as cúpulas para os altos funcionários que, a exemplo dos guias do Himalaia, carregam o peso e mapeiam o caminho para que os alpinistas possam fincar a bandeira no pico. Como não está previsto que o documento final contenha muitos números específicos, gritar sucesso ou fracasso vai depender muito mais de percepções e, por extensão, da maneira como a mídia e, em seguida, os mercados receberão as decisões. Os antecedentes não são propriamente brilhantes: da primeira cúpula do G20, realizada em novembro em Washington, para cá a crise só fez piorar -muito, aliás, a ponto de o Fundo Monetário Internacional estar prevendo a primeira queda global da economia para este ano e a Organização Mundial do Comércio estar avisando que o comércio planetário retrocederá 9% em 2009, a primeira vez em 60 anos. Números assustadores mesmo depois de ter sido lançada, globalmente, "uma operação de estímulo no valor de US$ 2 trilhões", pelas contas de Malloch Brown, o que equivale a pouco menos do que toda a riqueza que o Brasil produz em dois anos, sem que a economia recupere o fôlego. Acontece que a cúpula se realiza no momento em que os países que compõem o G20 deram dois ou três passos para trás, em relação à crise. Além da reforma Num primeiro momento, no fim do ano passado, a intenção era muito mais reformar a arquitetura do sistema financeiro internacional de forma a evitar no futuro a repetição de crises como a que ocorre atualmente. Não havia muita expectativa de poder atacar a crise em si porque seria preciso rebobinar a fita e voltar no tempo ao momento em que começaram a ser disseminados os que hoje se convencionou chamar de ativos "tóxicos". No segundo momento, no entanto, os líderes do G20 começaram a despejar pacotes e pacotes de estímulos. Anunciaram até, por meio de seus ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais, a disposição de "adotar qualquer ação que seja necessária até que o crescimento seja restaurado". Os governantes repetirão a promessa nos próximos dias, com a maior visibilidade que palavra de líder tem. Mas, depois de todos os pacotes, vieram os dois passos atrás na maneira de olhar a crise: o reconhecimento de que nenhum pacote de estímulo funcionaria enquanto não fosse restaurada a saúde do sistema financeiro. E, para restaurá-la, era indispensável eliminar o que a ministra francesa de Economia, Christine Lagarde, chama de "trombose", representada pela acumulação de ativos "tóxicos". Desintoxicação É nessa fase que o mundo está. Ou, posto de outra forma, os governos estão fazendo individualmente suas apostas para desintoxicar o sistema financeiro e restabelecer o crédito. A cúpula vai apenas referendá-las. "O teste preliminar [dos resultados da cúpula] será quando ocorrer um freio na deriva rumo ao protecionismo e se os bancos voltarem a emprestar. Se isso acontecer, vai se refletir nos preços nas lojas, em nossa capacidade de obter um financiamento hipotecário ou empréstimo bancário, o que, por sua vez, levará ao crescimento e ao aumento do emprego", diz Malloch Brown. Enquanto o hoje da crise não se resolve, o G20 aposta firmemente em que a reforma da regulação/supervisão do sistema financeiro permitirá evitar que uma crise semelhante ocorra no futuro. Nesse ponto, o comunicado dos líderes será tão ou mais preciso que o divulgado pelos seus ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais, que anuncia uma revolução nessa área. Uma revolução que dará ao Fundo Monetário Internacional um novo papel, como novos recursos e uma nova distribuição de poder. Mas os recursos e o novo papel chegam já. A redistribuição do poder ficou para janeiro de 2011, mesmo assim uma antecipação de dois anos em relação à previsão pré-crise. Se dependesse de chineses e de russos, a revolução seria tão formidável que o dólar deixaria de ser a moeda de reserva planetária. Talvez o tema surja na cúpula, mas não passará de um debate retórico, prevê Dominique Strauss-Kahn, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional. "Provavelmente, será um tema a ser debatido por muitos anos à frente. Não vejo uma mudança rápida [no papel do dólar]", diz Strauss-Kahn. Texto Anterior: Roger Agnelli: Não há tempo a perder Próximo Texto: Frase Índice |
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