São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Olhar a periferia deve ser a meta

GEORGE SOROS
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

A REUNIÃO do G20 será um evento decisivo. A menos que resulte em medidas de apoio aos países menos desenvolvidos, que estão ainda mais vulneráveis que as nações desenvolvidas, os mercados sofrerão mais uma contração, como aconteceu no mês passado, quando o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, não anunciou medidas práticas para a recapitalização do sistema bancário.
A crise é diferente de todas as demais que aconteceram depois da Segunda Guerra Mundial. Nos exemplos anteriores, as autoridades se organizaram e impediram o colapso do sistema financeiro. Desta vez, depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro, o sistema desabou e está sendo mantido vivo por meios artificiais.
Esse passo resultou em consequências adversas: muitos outros países, do leste da Europa à América Latina, à África e à Ásia, não tinham condições de oferecer garantias semelhantes. Houve uma fuga de capital da periferia para o centro. Nos países periféricos, as moedas caíram, as taxas de juros subiram e as taxas dos CDS ("credit default swaps") dispararam.
Quando a história for escrita, registrará que, diferentemente da Grande Depressão, o protecionismo chegou primeiro às finanças que ao comércio. Instituições como o FMI (Fundo Monetário Internacional) enfrentam uma novidade: proteger os países periféricos contra uma tempestade criada nas nações desenvolvidas. As instituições mundiais estão acostumadas a trabalhar com governos; agora, precisam enfrentar o colapso do setor privado.
Caso se provem incapazes disso, as economias periféricas sofrerão ainda mais que as centrais. São mais pobres e dependem mais de commodities que as dos países desenvolvidos. Também têm US$ 1,44 trilhão de dívidas bancárias a vencer em 2009. Não poderá haver rolagem desses empréstimos sem assistência internacional.

Diferenças de atitude
O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, observou na reunião do G20 uma forma de enfrentar a questão. Mas emergiram diferenças de atitude, especialmente entre EUA e Alemanha. Os EUA reconheceram que o colapso do crédito no setor privado só pode ser revertido pelo uso mais amplo do crédito de Estado. A Alemanha, traumatizada pelas memórias da hiperinflação dos anos 20, reluta em semear uma futura inflação ao incorrer em dívida excessiva. As posições se sustentam com rigidez. A controvérsia ameaça a reunião.
No entanto deve ser possível um terreno comum. Em lugar de fixar uma meta universal de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) para pacotes de estímulo, bastaria um acordo para ajudar os países periféricos a proteger seus sistemas financeiros. Isso serve ao interesse comum. Caso seja permitido um colapso das economias periféricas, os países desenvolvidos também sairão prejudicados.
A reunião do G20 deve produzir alguns resultados concretos: os recursos do FMI provavelmente serão duplicados, principalmente pelo uso do mecanismo de "novos arranjos para captação", que podem ser ativados sem que seja resolvida a espinhosa questão da redistribuição dos direitos de voto.
Isso bastará para permitir que o FMI ajude países específicos que enfrentam situações de risco, mas não oferecerá uma solução sistêmica para os menos desenvolvidos. Essa solução está facilmente disponível na forma de direitos especiais de saque, os SDRs. Os SDRs são complexos, mas em resumo representam a criação internacional de dinheiro. Países capazes de criar dinheiro próprio não precisam deles, mas nações periféricas, sim.
Os países ricos deveriam, portanto, emprestar suas alocações às nações mais necessitadas. Os beneficiados pagariam o FMI com juros muito baixos, o equivalente à taxa média dos títulos de Tesouro de todas as moedas conversíveis. Estariam livres para usar suas alocações, mas seriam fiscalizados quanto ao uso dado às alocações tomadas de empréstimo.
Além da ampliação extraordinária dos recursos do FMI, deveria haver uma grande emissão anual de SDRs, no valor de digamos US$ 250 bilhões, enquanto perdurar a recessão. É tarde demais para que essa medida seja decidida pelo G20 em 2 de abril, mas, caso a ideia seja apresentada pelo presidente Barack Obama e aceita pelos demais líderes, isso bastaria para fazer da reunião um sucesso retumbante.

GEORGE SOROS é presidente do conselho da Soros Fund Management.
Tradução de PAULO MIGLIACCI.



Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Brasil torce para que "brancos" resolvam a crise
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.