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ARTIGO
Olhar a periferia deve ser a meta
GEORGE SOROS
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
A REUNIÃO do G20 será
um evento decisivo. A
menos que resulte em
medidas de apoio aos países
menos desenvolvidos, que estão ainda mais vulneráveis que
as nações desenvolvidas, os
mercados sofrerão mais uma
contração, como aconteceu no
mês passado, quando o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, não anunciou
medidas práticas para a recapitalização do sistema bancário.
A crise é diferente de todas as
demais que aconteceram depois da Segunda Guerra Mundial. Nos exemplos anteriores,
as autoridades se organizaram
e impediram o colapso do sistema financeiro. Desta vez, depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro, o sistema
desabou e está sendo mantido
vivo por meios artificiais.
Esse passo resultou em consequências adversas: muitos
outros países, do leste da Europa à América Latina, à África e à
Ásia, não tinham condições de
oferecer garantias semelhantes. Houve uma fuga de capital
da periferia para o centro. Nos
países periféricos, as moedas
caíram, as taxas de juros subiram e as taxas dos CDS ("credit
default swaps") dispararam.
Quando a história for escrita,
registrará que, diferentemente
da Grande Depressão, o protecionismo chegou primeiro às finanças que ao comércio.
Instituições como o FMI
(Fundo Monetário Internacional) enfrentam uma novidade:
proteger os países periféricos
contra uma tempestade criada
nas nações desenvolvidas. As
instituições mundiais estão
acostumadas a trabalhar com
governos; agora, precisam enfrentar o colapso do setor privado.
Caso se provem incapazes disso, as economias periféricas sofrerão ainda mais que as
centrais. São mais pobres e dependem mais de commodities
que as dos países desenvolvidos. Também têm US$ 1,44 trilhão de dívidas bancárias a vencer em 2009. Não poderá haver
rolagem desses empréstimos
sem assistência internacional.
Diferenças de atitude
O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, observou na
reunião do G20 uma forma de
enfrentar a questão. Mas emergiram diferenças de atitude, especialmente entre EUA e Alemanha. Os EUA reconheceram
que o colapso do crédito no setor privado só pode ser revertido pelo uso mais amplo do crédito de Estado. A Alemanha,
traumatizada pelas memórias
da hiperinflação dos anos 20,
reluta em semear uma futura
inflação ao incorrer em dívida
excessiva. As posições se sustentam com rigidez. A controvérsia ameaça a reunião.
No entanto deve ser possível
um terreno comum. Em lugar
de fixar uma meta universal de
2% do PIB (Produto Interno
Bruto) para pacotes de estímulo, bastaria um acordo para ajudar os países periféricos a proteger seus sistemas financeiros.
Isso serve ao interesse comum.
Caso seja permitido um colapso das economias periféricas,
os países desenvolvidos também sairão prejudicados.
A reunião do G20 deve produzir alguns resultados concretos: os recursos do FMI provavelmente serão duplicados,
principalmente pelo uso do
mecanismo de "novos arranjos
para captação", que podem ser
ativados sem que seja resolvida
a espinhosa questão da redistribuição dos direitos de voto.
Isso bastará para permitir
que o FMI ajude países específicos que enfrentam situações
de risco, mas não oferecerá
uma solução sistêmica para os
menos desenvolvidos. Essa solução está facilmente disponível na forma de direitos especiais de saque, os SDRs. Os
SDRs são complexos, mas em
resumo representam a criação
internacional de dinheiro. Países capazes de criar dinheiro
próprio não precisam deles,
mas nações periféricas, sim.
Os
países ricos deveriam, portanto, emprestar suas alocações às
nações mais necessitadas.
Os beneficiados pagariam o
FMI com juros muito baixos, o
equivalente à taxa média dos títulos de Tesouro de todas as
moedas conversíveis. Estariam
livres para usar suas alocações,
mas seriam fiscalizados quanto
ao uso dado às alocações tomadas de empréstimo.
Além da ampliação extraordinária dos recursos do FMI,
deveria haver uma grande
emissão anual de SDRs, no valor de digamos US$ 250 bilhões, enquanto perdurar a recessão. É tarde demais para que
essa medida seja decidida pelo
G20 em 2 de abril, mas, caso a
ideia seja apresentada pelo presidente Barack Obama e aceita
pelos demais líderes, isso bastaria para fazer da reunião um
sucesso retumbante.
GEORGE SOROS é presidente do conselho da Soros Fund Management.
Tradução de PAULO MIGLIACCI.
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