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RESENHA
Reportagens e análises preciosas
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
COLUNISTA DA FOLHA
MUITOS economistas
constroem modelos
matemáticos complicados para explicar a realidade econômica à custa de uma
simplificação brutal que se
transforma em uma caricatura.
O grande jornalista econômico
Celso Pinto sempre fez o inverso: ajudado por seus entrevistados, mas jamais submisso a
eles, formulava explicações
simples e compreensíveis de
uma realidade econômica sempre complexa e contraditória.
Os textos que escreveu entre
1974 e 2003, alguns dos quais
reunidos no livro "Os Desafios
do Crescimento - Dos Militares
a Lula", mostram bem isso.
Não é fácil para os jornalistas
informar os leitores sobre economia porque os sistemas econômicos são sempre imprevisíveis, e as teorias econômicas,
necessariamente precárias.
Eles podem simplesmente noticiar os fatos ou então entrevistar autoridades econômicas
e economistas e reproduzir
suas ideias. Quando, porém,
além disso, o jornalista decide
fazer a análise do que está
acontecendo e concordar ou
discordar das ideias dos entrevistados, seu trabalho se torna
muito mais difícil e desafiador.
Celso Pinto, enquanto teve
saúde para realizar seu trabalho, aceitou sempre esse desafio. Ele começou no jornalismo
na Folha, em 1974, depois passou para a "Gazeta Mercantil",
foi correspondente econômico
em Londres, voltou para a Folha e, convidado pelos grupos
Folha e Globo, fundou e deu
forma ao "Valor Econômico",
que nada fica a dever aos melhores jornais econômicos do
mundo.
Em todo esse período, ele desenvolveu uma forma especial
de jornalismo econômico, escrevendo o que eu chamaria de
"reportagens-análises". Ele
não escrevia uma coluna, em
que o colunista faz com frequência predeterminada análise do que está acontecendo,
nem fazia reportagens ou entrevistas nas quais o repórter
informa os fatos ou reproduz as
palavras ou as ideias dos entrevistados. Em vez disso, ele combinava a notícia e a entrevista
com a análise de uma forma integrada, o que permitia que o
leitor ficasse informado e com
uma noção razoavelmente clara dos problemas complicados
sobre os quais versava.
O organizador do livro distribuiu as reportagens-análises
em oito capítulos. Escolho o capítulo sobre a taxa de câmbio
para ilustrar o método de Celso
Pinto. No texto "Controle cambial na berlinda" (3/9/98), por
exemplo, ele foca o problema
do controle dos fluxos de capitais que estava sendo discutido
na época. Mostra que os economistas heterodoxos, apoiados
por Paul Krugman, eram a favor dos controles, enquanto os
ortodoxos, no governo, eram
contra, garantindo que não
eram necessários. Celso Pinto
não toma partido, mas termina
seu texto assinalando que o
grande aumento das saídas de
capital não justificava o otimismo governamental. Na verdade, naquele momento a crise
cambial estava batendo à porta.
Um mês depois, ele fala no
"plano B" que se especulava ter
o governo e que economistas
estrangeiros como Rudiger
Dornbusch apoiavam a dolarização da economia na linha seguida pelo Plano de Conversibilidade da Argentina e comenta, manifestando delicadamente seu desacordo: "Nenhum
país de dimensão continental
como o Brasil jamais experimentou um "currency board'".
A clareza e o didatismo comparecem em outra reportagem-análise, "Custos e benefícios do
novo câmbio", que ele escreve
em seguida à bem-sucedida flutuação do câmbio, em janeiro
de 1999. Depois de noticiá-la,
Celso Pinto analisa a mudança
do câmbio sob cinco dimensões: comparação com outros
países, impacto fiscal, impacto
sobre juros e crescimento,
pressão sobre a inflação e futuro do regime de câmbio. E em
seguida escreve sobre cada um
desses pontos, com grande propriedade e competência.
Em outro texto, "A tentação
de "operar" o mercado", Celso
Pinto discute as tentativas do
governo de administrar a taxa
de câmbio antes da crise cambial do final de 1998. Diz ele
que, nesses momentos, o formulador de política econômica
tem sempre "a profunda convicção de que o mercado financeiro aposta contra ele porque
não entendeu direito os fundamentos ou porque está metido
em uma especulação desenfreada". Em seguida, entrevista
um desses formuladores e,
quando este faz afirmações
pouco convincentes, não hesita: escreve um claro "discordo".
Esses textos são uma preciosidade jornalística e econômica. A Publifolha está de parabéns ao fazer uma segunda
reimpressão do livro. O Grupo
Folha podia agora completar o
trabalho e oferecer na internet
todas as reportagens-análises
que Celso Pinto escreveu e
criar um mecanismo de busca
interno a essa coleção de textos. Essa iniciativa seria uma
grande contribuição ao estudo
da economia brasileira.
LIVRO - "Os Desafios do Crescimento - Dos Militares a Lula"
Celso Pinto; Publifolha, 376 págs.
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