São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010

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OPINIÃO

O euro está supervalorizado?

A zona do euro só poderá elevar seu influxo de capital estrangeiro se elevar as importações, e isso requereria uma moeda menos competitiva, ou seja, mais alta

Virgina Mayo - 18.mar.10/Associated Press
Estátua como símbolo do euro em Bruxelas, onde ocorreu na última semana uma reunião de líderes dos países da Comissão Europeia

MARTIN FELDSTEIN
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE

UM VISITANTE norte-americano em Paris ou Berlim percebe o tempo todo como os preços são altos com relação aos dos Estados Unidos. Uma diária de hotel, um simples almoço ou uma camisa masculina custam mais do que custariam em Nova York ou Chicago, à taxa de câmbio atual. Para reduzir o custo desses bens e serviços ao nível que eles mantêm no mercado norte-americano, seria preciso que o euro caísse em cerca de 15% diante do dólar, para a faixa de US$ 1,10.
É fácil saltar dessa aritmética para a conclusão de que o euro está supervalorizado, e que é provável que continue o declínio iniciado em dezembro passado. Mas a conclusão não procederia. No futuro, é mais provável que a moeda europeia retorne ao nível de US$ 1,60 que atingiu em 2008.
Existem três motivos para que o viajante esteja equivocado em sua impressão de que o euro está supervalorizado. Primeiro, os preços que o visitante encontra em geral incorporam o imposto por valor adicionado (IVA), que é universal na Europa, mas inexiste nos Estados Unidos. Se excluirmos o IVA, que em geral tem alíquota de 15% ou mais, os preços na Europa se tornam semelhantes aos norte-americanos.
Segundo, os bens e serviços que o visitante adquire representam apenas uma pequena fração dos bens e serviços negociados internacionalmente. Os bens que a Europa exporta incluem máquinas, produtos químicos e diversos outros itens que os consumidores não adquirem diretamente. Para determinar se seus preços estão "altos demais" à taxa vigente de câmbio seria preciso considerar a balança comercial.
A Alemanha, o maior exportador europeu, registra grande superavit em seu comércio com o resto do mundo. Como as exportações alemãs são atraentes para os compradores estrangeiros à taxa de câmbio vigente, o país em 2009 foi o segundo maior exportador mundial (depois da China).
As exportações da Alemanha excederam suas importações em cerca de US$ 200 bilhões no ano passado, superavit equivalente a quase 6% do PIB (Produto Interno Bruto). Fica claro que as exportações líquidas alemãs se manteriam elevadas mesmo que o euro se valorizasse substancialmente com relação ao nível atual.
Os demais países da zona do euro não são tão competitivos quanto a Alemanha, à atual taxa de câmbio. Mas a zona do euro como um todo ainda assim teve superavit comercial de mais de US$ 30 bilhões no ano passado. E, com o euro em queda significativa diante de diversas outras moedas, no ano passado, a balança comercial europeia pode melhorar muito nos próximos meses. Para limitar essa alta, o euro teria de subir.
Isso me conduz ao terceiro e mais importante fator que deve gerar alta substancial do euro ante a cotação atual: as condições econômicas mundiais requerem que a zona do euro mantenha considerável deficit comercial e em conta-corrente, para que se torne grande importador de capital do resto do mundo, em termos líquidos.
Existem dois motivos para isso. Primeiro, os países produtores de petróleo e a China precisarão continuar exportando substancialmente mais do que produzem. Sua receita líquida em moeda estrangeira precisa ser investida em ações e títulos internacionais.
Embora boa parte desse investimento deva fluir para os Estados Unidos, os países superavitarios desejam diversificar o investimento da receita líquida de exportação que vêm auferindo. A zona do euro oferece o único grande mercado de capital, excetuado o dos Estados Unidos, que pode absorver esses investimentos.
Mas a zona do euro só poderá elevar seu influxo de capital estrangeiro se mantiver um deficit em conta-corrente, ou seja, se elevar as importações com relação às exportações.
E isso requereria um euro menos competitivo, o que significa mais alto com relação ao dólar e outras moedas. O fluxo da receita líquida de exportação dos países produtores de petróleo e outros para o mercado do euro elevará o valor da moeda europeia e permitirá que essas transferências de fundos aconteçam.

Conversão das reservas
Segundo, os países com grande acúmulo de reservas em dólar converterão em euros porção substancial delas.
Os bancos centrais da Ásia e do Oriente Médio tradicionalmente mantêm suas reservas em dólar. Isso fazia sentido quando precisavam que as reservas fossem muito líquidas a fim de que pudessem cobrir deficit comerciais temporários. Mas o saldo das reservas cambiais excede em muito o nível necessário como reserva de emergência.
Coreia do Sul e Taiwan, por exemplo, têm reservas cambiais de mais de US$ 250 bilhões cada, e as reservas chinesas superam os US$ 2 trilhões. Esses e outros países com grandes saldos cambiais estão começando a diversificar suas posições em dólar, convertendo-as parcialmente em euros, um processo que continuará e inevitavelmente levará o euro a subir com relação ao dólar.
Assim, embora eu continue a reclamar dos preços que encontro ao viajar à Europa, compreendo que os valores que importam para o comércio internacional são mais competitivos do que aqueles que vejo ao pagar meu almoço. E também sei que as pressões complementares sobre a Europa para que importe fundos e sobre os países superavitarios para que diversifiquem a composição de suas reservas cambiais farão com que viagens à Europa se tornem cada vez mais caras em termos de dólares.

MARTIN FELDSTEIN , professor de economia na Universidade Harvard, foi presidente do Conselho de Assessoria Econômica da Casa Branca e do Serviço Nacional de Pesquisa Econômica no governo Reagan.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI



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