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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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LUÍS NASSIF

A nação gaúcha

Um dos mistérios da música popular brasileira é o fato de jamais ter acontecido a música gaúcha. A região forneceu grandes músicos ao país, mas poucos praticando a música regional. O grande nome do Rio Grande do Sul, Lupicínio Rodrigues, tem poucas composições tipicamente gaúchas. O flautista Plauto Cruz e alguns violonistas que aconteceram por aqui dominavam as ferramentas do choro.
De minha infância e adolescência, lembro-me de "Prenda Minha", do Conjunto Farroupilha e de Teixeirinha, com seu estilo marcado e trágico.
No entanto, os elementos da música gaúcha pouco ficam a dever a outras regiões do país, inclusive algumas de evolução musical recente, como Mato Grosso. Há vários tipos de música e dança, a influência marcante do Mercosul, com seu estilo característico de violão, de acordeão e da gaita. Há várias espécies de dança que, estilizadas, teriam tudo para conquistar a moçada.
Além disso, a música da região tem seu grande nome, o músico maior que representa para o Estado o que Almir Sater representa para o Pantanal. Trata-se de Ronaldo Borghetti, o Borghettinho, que ouço no CD da estupenda coleção "A Música Brasileira Deste Século", que meu amigo Pelão e o Danilo do Sesc produziram, em cima dos programas do Fernando Faro.
Nascido em Porto Alegre, de pai italiano e mãe alemã, Borghettinho é da mesma linha evolutiva de Piazzolla e seu bandoneon. Tem ligação umbilical com os ritmos de sua terra e um impulso criativo que o leva a percorrer todas as experiências musicais, sem jamais perder o sotaque -algo que ocorre também com o violonista Yamandú Costa.
No CD aparece um músico diferenciado, tanto no estilo de tocar quanto no nível de informação e na capacidade de verbalização. Surgiu na música profissional muito cedo, aos 16 anos. Depois, foi descoberto nacionalmente em um Free Jazz, em 1988. De lá para cá, desfilou por todos os palcos, compartilhando a música de Hermeto Pascoal ao rock nacional, das danças típicas gaúchas à milonga argentina, em turnês pelo Brasil e Europa.
A música gaúcha não é apenas Borghettinho. A vitalidade da dança, do chicote, estaria apta a conquistar a geração saúde das academias. O que falta, então?
De um lado, falta uma temática mais universal. Anos atrás, passei um Réveillon em Canelas. A TV local desfilava música gaúcha por toda a tarde. A temática era monocórdica, do ranchinho, do cavalo e da tragédia. Não se universalizou, provavelmente devido à falta de um grande letrista, que representasse para o Sul o que Vinicius, Paulo César Pinheiro e Aldir representaram para o Rio, Alceu Valença para Pernambuco e Caetano e Gil para a Bahia.
Depois, falta o sentido de marketing. Tivessem os gaúchos a noção de marketing dos baianos e a música do Estado teria penetração nacional, conquistando amplamente essa geração saúde com seu sapateado viril, ibérico, e o uso do chicote.
De qualquer modo, ouvindo Borghettinho se percebe a riqueza instrumental brasileira. Tome-se o caso do acordeão (ou gaita). Que país do mundo contaria, em sua música, com escolas musicais tão diferenciadas quanto a música nordestina de Luiz Gonzaga e Dominguinhos, a sanfona do Centro-Oeste de Mário Zan, o som de choro e jazz de Chiquinho do Acordeon e Orlando Silveira e seus seguidores Robertinho, Bombarda e Toninho Ferragutti e a gaita de Borghettinho?

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