São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

A banca fala da bancarrota


Diretor do BIS, consórcio dos bancos centrais do mundo, alerta para estagflação e contínua crise de crédito

"PARECE QUE vamos entrar em um período de séria estagflação, de aumento agudo da inflação combinado a grandes riscos de queda no crescimento e no emprego." Duas semanas antes do mais recente desmoronamento das Bolsas, celebrado na quinta-feira, era o que pensava Malcolm Knight, gerente-geral do BIS, a respeito da crise financeira, da inflação e do crescimento no mundo.
O Bank for International Settlements, BIS, é o consórcio dos bancos centrais do planeta. Knight, de saída para a vice-presidência do Deutsche Bank, falava para uma platéia qualificada, reunida pelo International Institute of Finance, a associação mundial dos bancos. Disse cobras e lagartos sobre as finanças globais.
Primeiro, Knight afirmou que não sabe onde vai dar a "desalavancagem financeira". Dizia que virão mais anúncios de perdas em bancos e seguradoras. Que mudanças no ciclo de crédito, em especial nos EUA, tendem a ser violentas, associadas ao declínio do preço de ativos imobiliários e que detonam baixas no PIB. Se o aperto de crédito ainda parece pequeno, é porque muito da alavancagem não aparece nos balanços bancários (como os derivativos imobiliários que foram à breca).
Segundo, o banqueiro observava que dois indicadores muito importantes de tensão no mercado monetário estavam longe de registrar alívio. Tratava: 1) Da diferença ("spread") entre os juros interbancários (Libor) e a taxa esperada para os "fed funds", a taxa "básica" de juros americana; 2) Do custo de contratos de seguro contra a inadimplência de empresas e bancos (CDS). Os indicadores decolaram no estouro da crise, em meados de 2007, e foram ao pico quando o Bear Stearns explodiu, em março. O "spread" Libor-OIS e os CDS ainda estavam bem acima do nível pré-crise quando Knight falou. Pioraram desde então. Indicam relutância dos bancos de emprestar uns aos outros e/ou escassez de capital nos bancos e/ou alta no risco percebido de calote.
Terceiro: a desalavancagem (redução do crédito, grosso modo), a queda no preço dos ativos, a desconfiança no mercado interbancário e as perdas bancárias sugerem que deve haver ainda menos empréstimos para a atividade produtiva.
Quarto, o risco de recessão fez com que os BCs relaxassem: os juros reais caíram a níveis negativos (EUA e Ásia "emergente") ou inferiores a 1% (mundo rico afora EUA). Para piorar, na visão de Knight, muitas economias emergentes fazem maciças intervenções no câmbio a fim de evitar o fortalecimento de suas moedas. Ou seja, todo mundo injeta dinheiro nos canos da economia.
Sexto, esse grande jorro de liquidez alimenta a inflação e deprecia o dólar, o que contribui em muito para o aumento do preço do petróleo e de outras commodities e, assim, para a piora das expectativas de inflação.
Mesmo descontado o molho conservador, o BIS reúne um dos corpos de economistas mais sensatos e precisos. Knight falava por si, mas temperado pela pesquisa e pelas dicas de cocheira do BIS. O.k., a elite da banca não só não previu como causou, cinicamente, o presente rolo. Mas Knight ecoa o que se diz na alta banca, oficial e privada. É só má consciência? O colunista vai esperar para ver, mas de óculos de sol: em férias.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Fabio Giambiagi: O Ipea e as instituições
Próximo Texto: Arrecadação com setor de mineração aumenta 746%
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.