São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 2008

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Doha está "por um fio", diz Amorim

Insistência da Índia em elevar proteção a seus agricultores é o maior obstáculo para acordo global de comércio

Índia e China dizem que países ricos é que deveriam ser responsabilizados por impasse, devido à relutância em abrir mercados agrícolas

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Após oito dias de intensa barganha, as negociações da Rodada Doha de abertura comercial estão "por um fio", admitiu ontem o chanceler brasileiro, Celso Amorim. Com a aproximação do abismo, a troca de acusações entre os países se tornou aberta. A lista de divergências ainda é considerável, mas o maior obstáculo no caminho de um acordo global de comércio é a insistência dos indianos em aumentar a proteção a seus agricultores.
Para desobstruir o processo, as discussões foram divididas em pequenos grupos, enquanto Brasil e Austrália tentavam apresentar soluções para o impasse. Passava de 2h em Genebra (21h em Brasília) quando Amorim deixou a sede da OMC, confirmando que as conversas estão à beira do colapso.
Num sinal adicional do estado sombrio das negociações, a OMC inverteu o cronograma das reuniões para hoje, marcando para a parte da tarde a assembléia dos 153 membros da entidade, que costuma acontecer de manhã. "Não há progresso a reportar", disse uma fonte próxima às discussões.
O porta-voz da OMC, Keith Rockwell, classificou a situação de "muito tensa". Ele contou que, depois de 12 horas de discussões em torno de várias propostas para dissipar a divergência, "nada garantia um desfecho bem-sucedido".
Foi o ápice de uma escalada de pessimismo que já havia deflagrado uma ácida troca de acusações durante o dia. O primeiro disparo foi dado pelos EUA, que culparam Índia e China pelo impasse. Os dois maiores emergentes reagiram, afirmando que os países ricos é que deveriam ser responsabilizados devido à relutância em abrir seus mercados agrícolas.
Os americanos afirmaram ter "engolido" concessões e acusam chineses e indianos de pôr o acordo em risco ao rejeitar o pacote de soluções proposto na sexta pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. "Há um risco real ao equilíbrio delicado obtido na sexta", disse a representante do Comércio dos EUA, Susan Schwab.
O Brasil aceitou imediatamente a proposta de Lamy, distanciando-se de aliados como Argentina e Índia, que consideraram insuficientes as concessões dos países ricos e excessivas as dos emergentes.
Os chineses, que no dia anterior haviam endurecido sua posição ao afirmar que não aceitavam reduções de tarifas sobre arroz, açúcar e algodão, responderam à acusação dos EUA. "É um pouco surpreendente que os EUA estejam apontando culpados neste estágio", disse o embaixador chinês na OMC, Sun Zhenyu.
Para os chineses, o nó da questão é a relutância dos EUA em fazer mais cortes em seus subsídios agrícolas além do teto anual oferecido, de US$ 14,5 bilhões. Mas Índia, China e outros emergentes querem mais, argumentando que o valor ainda é duas vezes o volume atual.
Sob pressão, a Índia jogou a culpa de volta para os americanos. Kamal Nath, o ministro indiano do Comércio, disse que aceitou uma nova proposta sobre o SMM (Mecanismo de Salvaguarda Especial, na sigla em inglês), que daria mais proteção aos pequenos agricultores dos países em desenvolvimento, mas os EUA a rejeitaram.
A negociação, que hoje entra em seu nono dia, três dias a mais que no plano original, tem sido um teste para negociadores, lobistas e jornalistas, em jornadas intensivas que chegam a durar 18 horas. "Tem sido uma montanha-russa emocional", desabafou a comissária européia de Agricultura, Mariann Fischer Boel.


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