São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 2008

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China assume papel do Brasil como líder na OMC

Após brasileiros terem aceitado acordo, chineses passam a comandar resistência

Diplomata chinês faz duros ataques à proposta de corte de subsídios dos EUA e elogia Venezuela e Bolívia, ambos da área de influência do Brasil

15.jul.08/Reuters
Mulher olha, na China, painel eletrônico com dados de ações

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Meros três dias depois de o Brasil ter aceitado o esboço de acordo proposto pela direção da Organização Mundial do Comércio, rompendo com seus antigos parceiros do Sul, o jornal global "The International Herald Tribune" puxou como destaque uma das conseqüências: "Balança de poder desloca-se para a China nas conversações comerciais globais".
O "Trib", como é mais comumente chamado, é a edição planetária do "New York Times" e carrega o prestígio dessa grife do jornalismo internacional.
O título pode parecer óbvio à primeira vista: se a China está se tornando o novo gigante no mundo, é natural que ganhe poder nas negociações comerciais em curso no âmbito da OMC, a chamada Rodada Doha de Desenvolvimento.
Mas, nos sete anos que já duram as negociações, a China adotou um perfil tão baixo que beirou o invisível. Faz parte do G20, o grupo de países em desenvolvimento que cobra a liberalização agrícola dos países ricos, mas deixou sempre que o palco fosse ocupado pelo Brasil e pela Índia, ainda que sejam países bem menos poderosos do que a China.
Como, no entanto, o Brasil saiu do palco, ao aceitar um pacote que tem as bênçãos do mundo rico, a China ocupou seu lugar, claro que ao lado da Índia, que continua mantendo as posições que o G20 defendeu desde sua criação, em 2003.
A troca do Brasil pela China ficou mais evidente ainda na sessão informal de ontem do Comitê de Negociações Comerciais, o principal grupo técnico da OMC. O embaixador chinês Sun Zhenyu parecia o chanceler brasileiro Celso Amorim falando, por exemplo, na Conferência Ministerial de Cancún, em 2003, que terminou em estrepitoso fracasso.
Naquela ocasião, Amorim fustigava os países ricos por pretenderem, na visão dele, a imposição de aberturas comerciais aos países em desenvolvimento ao mesmo tempo em que protegiam seu próprio mercado agrícola.
Agora, é o representante chinês quem afirma, por exemplo, que "os Estados Unidos estão gastando entre US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões em subsídios que distorcem o comércio, mas estão oferecendo [um teto] de US$ 14,5 bilhões, com muito espaço político para os Estados Unidos".
Quanto à outra oferta norte-americana, a de aumentar as cotas de importação de certos produtos, ao mesmo tempo em que mantêm protegidos setores ditos sensíveis, o diplomata chinês joga na mesa os números sempre portentosos de seu país:
"Os Estados Unidos jamais poderão expandir suas cotas até o nível das cotas chinesas. Nossa cota é de 9 milhões de toneladas para trigo, 7 milhões para milho, 5 milhões para arroz". E, apontando o dedo para os Estados Unidos, Sun Zhenyu diz: "Suas cotas, mesmo após a expansão, nunca passarão de meio milhão de toneladas. Onde está o novo acesso a mercado nos países desenvolvidos?".

Bolívia e Venezuela
O embaixador deu-se ainda ao luxo de defender, nominalmente, Bolívia e Venezuela, ambos da área de influência do Brasil, e até a África do Sul, com a qual o Brasil tenta construir o conglomerado Ibas (Índia, Brasil e África do Sul).
É sintomático desse novo jogo nas negociações comerciais a diferença entre Cancún-2003 e Genebra-2008. Há cinco anos, Robert Zoellick, então negociador-chefe dos Estados Unidos, hoje presidente do Banco Mundial, acusou nominalmente o Brasil de estar entre os países que não queriam acordo algum, o que levou ao fracasso a Ministerial daquele ano. Agora, o IATP (sigla em inglês para Instituto de Política Agrícola e Comercial, centro de estudos contrário ao acordo proposto pela OMC), pergunta: "China e Índia são os maus?", em alusão à profusão de críticas na mídia e na boca dos delegados do mundo rico aos dois gigantes asiáticos.
O IATP, em texto de sua especialista Carin Smaller, defende os "bad guys": "Penso que as preocupações de China e Índia merecem atenção. Ambos têm sérias e legítimas preocupações sobre segurança alimentar e um enorme número de meios de vida a proteger. Respaldar e construir fortes comunidades rurais e emprego decente é vital se ambos os países pretendem enfrentar os desafios do desenvolvimento à frente".
Qualquer ministro brasileiro de Desenvolvimento Rural diria mais ou menos o mesmo até a semana passada. Agora, constata o IATP, "o Brasil aceitou o acordo sobre a mesa".


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