São Paulo, Quinta-feira, 29 de Julho de 1999
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LUÍS NASSIF

A vez de Roberto Simonsen

Um dos grandes problemas do subdesenvolvimento brasileiro é o padrão mental das nossas elites. Em geral, senta-se em cima dos problemas até que explode uma crise. A inércia do sistema político impede soluções rápidas, e os conceitos vão envelhecendo e mantidos à custa de fé cega e interesses afiados. Há, então, um lento e penoso processo de revisão de conceitos, que acaba, por fim, impondo-se sobre os conceitos anteriores. A revisão, em geral, dá-se anos depois que os demais países adotaram novos paradigmas, mantendo o atraso nacional em relação à média.
Só que a irracionalidade permanece a mesma. Substitui-se uma matéria de fé por outra. Enquanto os novos conceitos produzem resultados, ótimo. Depois, esgotam-se, obrigando a uma nova revisão, mas permanecem estratificados. O reformista de ontem vira o xiita de hoje.
É o que ocorre com essa luta histórica -posto que pelo menos desde a polêmica Roberto Simonsen x Eugênio Gudin no pós-guerra- entre modelo de economia fechado e aberto. Nas mãos de economistas ou jornalistas ideológicos, a discussão vira matéria de fé. Não se define visão de futuro, objetivo a ser alcançado nem nada. O que vale é o conceito em si, não os resultados. Para os burocratas, os processos são mais importantes que as metas. Para esses arautos modernosos das verdades fluidas, os conceitos são mais importantes que os objetivos. A questão não é abertura x fechamento da economia, mas o objetivo a que se propõe: como ter uma economia mais competitiva, empregos e empresas nacionais mais eficientes e globalizadas.

Pêndulos
Em um certo momento, dos anos 50 em diante, havia a necessidade de criar um parque industrial no país e uma burguesia industrial nacional. Naquele momento, era relevante uma política industrial que definisse espaços para o capital multinacional e para o capital brasileiro -o que foi feito com as câmaras criadas pelo governo JK. Se Gudin tivesse prevalecido, o país jamais teria se industrializado.
Esse movimento se desvirtua com o jogo político e é retomado, em bases mais racionais, no período militar. Nos anos 70 há um amplo processo de incentivos a grupos nacionais, por meio de alguns expedientes válidos, mas também de uma parafernália de incentivos fiscais, da forma mais descontrolada possível.
No governo Geisel, definiu-se um modelo protecionista mais amplo ainda, em que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrava pesadamente financiando empresários -sem aquela orgia de subsídios dos antigos fundos fiscais, mas também sem nenhuma preocupação em dimensionar os mercados.
O modelo esgotou-se em meados dos anos 80, deixando uma base instalada superdimensionada e pouco competitiva. Se Gudin tivesse entrado antes na parada, a economia dos anos 80 não teria sido aquela lama que foi.
Nos anos 90, imperou Gudin. Havia a necessidade de abrir a economia, não por abrir nem por desnacionalizar, mas para aumentar a competitividade sistêmica do país e das empresas nacionais.
E não se pense em fortalecimento de empresa nacional como um conceito jacobino. Empresas nacionais eficientes são elementos fundamentais de desenvolvimento auto-sustentado e de qualidade em um país. Em vez de se fiar em generalistas monetaristas, faria bem FHC em levar em um fim-de-semana livros de Michael Porter na mala, para se colocar em linha com o pensamento desenvolvimentista mais refinado e contemporâneo.
Vai perceber que o ciclo Gudin cumpriu seu papel. Mudou a cabeça dos grandes grupos nacionais e arrebentou com pequenas e médias empresas. Hoje em dia, tem-se o caso Brahma-Antarctica, abrindo perspectivas enormes para a redefinição do papel da grande empresa nacional.
Tem-se aí a aviação comercial a exigir políticas de fusão, assim como setores-chave, como os de papel e celulose, siderúrgico e petroquímico. A venda da CSN poderá se constituir em um marco da inversão desse processo violento de desnacionalização, assim como a reorganização das pequenas e médias empresas em consórcios de produção. Mas desde que o governo comprove dispor, finalmente, de um projeto nacional.
Se a abertura do mercado funcionou para conferir competitividade à economia nacional, chegou a hora de inverter o pêndulo e utilizar políticas comerciais dentro de uma visão estratégica e de resultados. Isso antes que o exemplo venezuelano venha se impor no país.
As reações contra o protecionismo argentino mostram uma mudança de rota, ainda que incipiente. A próxima rodada é de Roberto Simonsen.

Paulo Guedes
Uma leitura rápida e superficial do artigo de Paulo Guedes na revista "Exame" fez-me considerar como posição do economista a defesa dos incentivos da Ford na Bahia. Na verdade, tratava-se apenas de uma ironia do economista, que mantém a coerência.


E-mail: nassif@uol.com.br



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