São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ORTODOXIA

Ata que sinalizou alta dos juros reacende batalha interna no governo sobre patamar da Selic

Lula vê "barbeiragem" do Copom

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A batalha sobre o patamar dos juros, que se acalmara nos últimos dois meses, voltou com toda força ao núcleo do governo Luiz Inácio Lula da Silva. A Folha apurou que o presidente trabalha para que o Copom (Comitê de Política Monetária) evite ao máximo aumentar a taxa básica de juros (Selic), hoje em 16% ao ano.
No dia 19 de agosto, em reunião com as equipes do Banco Central e do Ministério da Fazenda, Lula disse claramente que os times estavam "de parabéns" pelos dados recentes que confirmavam a retomada do crescimento econômico, mas também afirmou que temia que eventual erro de dosagem, como alta desnecessária dos juros, pudesse comprometer a sustentabilidade da recuperação.
Nas palavras de um auxiliar, Lula ressaltou que o ajuste fiscal continuaria firme, mas que a política monetária deveria ser dosada para não minar esse esforço.
Exatamente uma semana depois, ao ver a divulgação da ata do Copom que alertava sobre o risco de o Banco Central ter de elevar os juros por conta do instável preço do petróleo e de eventual elevação inflacionária decorrente dele, Lula ficou muito contrariado.
"Barbeiragem" foi o termo usado por um membro da cúpula do governo para descrever a reação do presidente à ata do Copom -formado pelo presidente e pelos diretores do BC, que se reúnem mensalmente para fixar a Selic. Para Lula, após repetidas boas notícias na economia, a ata funciona como uma ducha de água fria nas expectativas. Mais: dá à oposição em tempo eleitoral o discurso de que a retomada da economia é uma bolha e que, passado 3 de outubro, subirão os juros e a gasolina (preço que o governo tem segurado).
Segundo relato de um dos presentes à reunião de 19 de agosto, ela foi um "encontro de sedução", daqueles em que Lula tenta "ganhar" os interlocutores. Muitos ele não conhecia pessoalmente.
"Quero conhecer esses caras que estão ferrando o meu governo", disse Lula a um interlocutor, em tom de brincadeira, dias antes. Lula quis prestigiar o presidente do BC, Henrique Meirelles, mas, principalmente, conhecer diretores do BC e dar o seu recado. Naquela semana, Lula conferira a Meirelles o status de ministro, dando-lhe foro privilegiado.
Nem sempre há concordância entre o que Lula quer e o que acontece. Em várias ocasiões ele esperava quedas maiores, mas aceitou reduções menores. O Copom também cedeu a Lula. Em agosto de 2003, por exemplo, houve queda de 2,5 pontos percentuais por sua pressão direta. Em novembro, a taxa caiu 1,5 ponto; o BC queria 1 ponto.
A blindagem de Meirelles foi arrancada a contragosto -para proteger um presidente do BC que transmitia um desespero de deixar o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, preocupado até com a sua saúde.
É preciso matizar a avaliação que o governo tem de Meirelles. Há a dívida de gratidão de Lula por ele ter aceito dirigir o BC após uma série de recusas no final de 2002. Mas isso não significa que não haja reparo à sua atuação.
Palocci e seus dois principais auxiliares, Joaquim Levy (secretário do Tesouro) e Marcos Lisboa (secretário de Política Econômica da Fazenda), acham que o BC perdeu oportunidade em 2003 e em 2004 para diminuir a Selic.
Lisboa bateu duro no BC em reuniões internas, dizendo, por exemplo, que o Copom poderia ter contribuído mais para reduzir a relação entre dívida pública e PIB. Apesar do aperto recorde para pagar juros, ela se mantém no mesmo nível da posse de Lula.
Descontada a inflação (estimada em pouco mais de 7% neste ano), sobra hoje uma taxa de juro real de cerca de 9%. A Fazenda julga essa patamar adequado -alto o suficiente para atrair investidores, mas não a ponto de inviabilizar a redução da relação dívida/PIB. Nesse contexto, Lula acha salutar que Meirelles sofra pressão, como o recado que deu no dia 19 para que ele e seus diretores não agissem de forma muito ortodoxa. Como de costume, a pressão é feita por Palocci.
Mas Lula tem achado pouco. Antes descontente com as críticas freqüentes de seu vice aos juros, principalmente em 2003, quando achava que elas podiam atrapalhar a conquista da confiança do mercado, ele viu com bons olhos o recente ataque de José Alencar.
Houve momentos, em 2003 e 2004, nos quais Meirelles insinuou que podia sair diante das críticas do PT e de Alencar. Num episódio, Meirelles disse que, se Lula e Palocci não estivessem satisfeitos, ele não criaria problemas e deixaria o posto. Como foi duro achar um presidente do BC (Meirelles foi a sexta opção), Palocci e Lula contornaram tais arroubos.
Em meados de julho, Meirelles voltou a emitir sinais parecidos, preocupado com as reportagens que questionavam a lisura da administração de seu patrimônio.
Como Lula o bancou e acredita que ele não cometeu irregularidade, sente-se credor para cobrar de Meirelles uma pilotagem mais política. Obviamente, o discurso público será o de que o governo não interfere no Copom.


Texto Anterior: Painel S.A.
Próximo Texto: Opinião econômica - Rubens Ricupero: Uma falsa alternativa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.