São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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Fábrica na Bahia produz de roupas a panôs para afrodescendentes

LUIZ FRANCISCO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR

Em um galpão de quase 900 metros quadrados, localizado em Cosme de Farias (15 km do centro de Salvador), 22 operários usam cores fortes e alegres para fabricar vestidos, saias, biquínis, cangas, camisetas, calças, sungas, toalhas e panôs direcionados basicamente para o maior público consumidor da capital baiana -os afrodescendentes.
Segundo o MNU (Movimento Negro Unificado), 79,9% da população de Salvador (2,56 milhões de habitantes) é formada por negros, mestiços e mulatos. "Com o passar dos anos, os negros perceberam que suas histórias podem ser contadas pelas roupas, pelos adereços, pela decoração", disse a artista plástica Maria Auxiliadora dos Santos Goya Lopes, 50.
Há 18 anos, Goya Lopes fundou a Didara, fábrica que atualmente produz cerca de 3.000 peças por mês e que, desde o ano passado, começou a exportar para a Itália. Em média, a empresa fatura cerca de R$ 60 mil por mês. "A exportação acontece principalmente durante o verão europeu. Mesmo estando apenas no começo do trabalho, conseguimos vender para o exterior aproximadamente 50% do nosso faturamento."
"No começo dos anos 80, quando morava na Itália, percebi que os negros brasileiros não tinham à disposição produtos que os identificavam dentro da cultura afro-brasileira. Aqui, como em quase todo o mundo, a moda é uma imposição. E os negros, felizmente, batalharam muito para conseguir a sua identidade", disse a empresária, que também possui uma loja no Pelourinho (centro histórico de Salvador).

Cinco cores
Todos os produtos que saem da linha de montagem da Didara possuem somente cinco cores -vermelho, amarelo, laranja, preto e branco. "Essas cores têm uma luminosidade muito forte, são muito usadas na África."
O trabalho de Goya Lopes ganhou mais dimensão depois que dois artistas -o ministro Gilberto Gil (Cultura) e o jamaicano Jimmy Cliff- começaram a usar roupas confeccionadas pela artista plástica.
"Muitos afrodescendentes brasileiros, que se espelhavam no padrão europeu de moda, começaram a comprar os nossos produtos, principalmente depois que o ministro Gil passou a se apresentar em público com as roupas fabricadas pela minha empresa."
Na loja do Pelourinho, os preços dos produtos fabricados pela Didara variam de R$ 15 (camiseta infantil) a R$ 2.000 (panô). "Gostei muito do estilo, principalmente porque as roupas não saem de moda", disse a estudante peruana Cristina Velasquez, 25, que visitou o estabelecimento no centro histórico de Salvador.
Professora de história e pesquisadora da UCSal (Universidade Católica do Salvador), Cecília Soares, 39, disse que existe uma grande "brecha" a ser explorada pelas empresas que têm os afrodescendentes como público-alvo. "O que o mercado impõe não representa a identidade dos negros", disse a pesquisadora.
De acordo com Soares, os negros são consumidores "que necessitam de um olhar específico". "A sociedade brasileira nunca deu a devida importância para o negro. Agora, depois de muita luta, os negros começaram o ocupar o seu espaço. Quem souber explorar o mercado afrodescendente, que é muito grande, certamente não vai se arrepender."


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