São Paulo, sábado, 29 de agosto de 2009

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Orçamento social passa a ser deficitário

Pela 1ª vez na década, despesas em áreas como previdência e saúde superaram receitas das contribuições criadas para financiá-las

Entre janeiro e julho, deficit chegou a R$ 19 bilhões, o equivalente ao desembolso de um ano e meio do programa Bolsa Família


GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Deixados para trás os recordes de arrecadação do ano passado, os resultados do Tesouro Nacional explicitam que o orçamento social do governo passou a ser deficitário pela primeira vez desde a década de 90.
Levantamento feito pela Folha aponta que, de janeiro a julho, as despesas com previdência, saúde, assistência e seguro-desemprego superaram em R$ 19 bilhões -o equivalente a um ano e meio de Bolsa Família- as receitas das contribuições criadas para financiar esses programas.
Definido pela Constituição de 1988, o orçamento da seguridade social reúne as políticas públicas mais diretamente ligadas à subsistência das famílias, além dos tributos cuja arrecadação não poderia ser dirigida a outras áreas, caso das contribuições cobradas sobre a folha de salários, o lucro e o faturamento das empresas.
Graças a uma brecha constitucional de caráter provisório criada em 1994, chamada DRU (Desvinculação de Receitas da União), o governo foi autorizado a utilizar livremente 20% desses recursos. Na apuração do resultado anual da seguridade, porém, o Tribunal de Contas da União considera as receitas integrais, critério seguido pela reportagem.
A seguridade mantinha saldo positivo até o ano passado, mesmo com a inclusão, entre suas despesas, das aposentadorias do funcionalismo federal, questionada por parte dos analistas do setor (leia texto na pág. B3).
Esse superavit se tornou um dos principais argumentos dos opositores das propostas de reforma da Previdência Social destinadas a reduzir os direitos dos beneficiários.
Partidos autodeclarados de esquerda, setores do governo Luiz Inácio Lula da Silva, sindicatos e economistas de linha heterodoxa argumentam que não faz sentido calcular separadamente o saldo previdenciário negativo. É preciso, afirmam, levar em conta todas as despesas e receitas listadas pela Constituição.
A tese foi apresentada em um fórum oficial promovido em 2007 para debater a reforma. "O desequilíbrio orçamentário está no orçamento fiscal, e não no orçamento da seguridade social ou no orçamento da Previdência Social. A seguridade não recebe recursos do orçamento fiscal, ao contrário, parte substancialmente elevada de seus recursos financia o orçamento fiscal", afirmou, na ocasião, a pesquisadora Denise Gentil, hoje diretora-adjunta do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Procurada pela Folha, a economista preferiu não comentar os novos números.
Mas o recém-surgido deficit do orçamento social não serve de argumento apenas para os reformistas de pensamento liberal que pedem redução de gastos; os números podem ser usados também pelos que defendem o ajuste pelo lado da arrecadação, caso dos governistas em campanha pela ressurreição da CPMF.
Os dados apontam que o fim da cobrança da contribuição sobre movimentação financeira ajudou, embora não de imediato, na reversão do saldo positivo da seguridade. Em 2008, primeiro ano sem o tributo, o superavit foi preservado graças aos surpreendentes resultados dos demais tributos, que superaram as estimativas mais otimistas do governo e dos analistas. Nos anos anteriores, teria havido deficit se excluída a CPMF.

Despesas
Neste ano, porém, não só a crise econômica derrubou as receitas, como as despesas sociais cresceram a taxas dignas de vésperas de eleição.
O reajuste de quase 6% acima da inflação para o salário mínimo elevou aposentadorias, pensões, seguro-desemprego e benefícios assistenciais a idosos e deficientes; o Bolsa Família teve um aumento médio real de 4%; os servidores da área social, a exemplo dos demais funcionários do Executivo, ganharam novos planos de carreira.
Os gastos sociais, equivalentes a 12,16% do Produto Interno Bruto no ano passado, subiram para 13,49% do PIB estimado para os primeiros sete meses do ano. Os R$ 230,8 bilhões destinados à área social representaram praticamente três quartos de todas as despesas do governo no período, excluídos os encargos da dívida pública.
A maior fatia do gasto social, de longe, é a das aposentadorias. As pagas pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) somaram, de janeiro a julho, R$ 120,6 bilhões, e as do funcionalismo federal, R$ 35,1 bilhões. A área que mais cresce nos últimos anos, porém, é a da assistência social, devido a benefícios instituídos pelo Estatuto do Idoso e à criação do Bolsa Família, ambos em 2003.
No cenário atual, a eventual criação da CSS (Contribuição Social para a Saúde), nova versão da CPMF com alíquota reduzida e receita prevista de R$ 10 bilhões anuais, seria insuficiente para restabelecer o superavit da seguridade.


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