São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Taxa de câmbio instável não inviabiliza políticas setoriais

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

A tradicional disputa entre desenvolvimentistas e monetaristas teve o desfecho conhecido, na era FHC: os desenvolvimentistas foram expulsos do poder enquanto os monetaristas mantiveram-se donos do que parecia uma política econômica "by the book" (seguindo o manual do FMI e o Consenso de Washington).
A distinção entre visões estratégicas e a gestão curtoprazista no governo FHC continuou mesmo assim. Consolidou-se afinal uma verdadeira reforma do Estado no campo das políticas científicas e tecnológicas, envolvendo dimensões financeiras, fiscais e de políticas setoriais. Em tese, nada disso colidiria com os princípios considerados legítimos de gestão fiscal nos organismos multilaterais e mesmo nas agências globais de classificação de riscos.
Num mundo ideal, seria portanto possível fazer política desenvolvimentista e respeitar a macroeconomia neoliberal.
No mundo real, a tolerância com relação à execução de políticas setoriais tende a cair.
Um bom exemplo é a argumentação do economista Fabio Giambiagi publicada na quinta-feira pelo jornal "Valor" ("Política industrial, Intel e taxa de câmbio"). Autor de um livro de referência em finanças públicas, Giambiagi não reluta em dizer que a política de desenvolvimento precisa recuar quando o câmbio se desvaloriza.
Seu raciocínio: quando a moeda se desvaloriza, fica mais caro importar, portanto é dispensável a política industrial ou setorial (que tem custos fiscais).
É uma lógica perfeita, exceto pelo fato de que é justamente quando a moeda do país apresenta uma tendência crônica a se desvalorizar que se tornam mais estratégicas as políticas de substituição seletiva de importações (e não uma barreira geral, como a taxa de câmbio desvalorizada).
Giambiagi embarca naquilo que os economistas denominam "trade off" (custos e benefícios entre duas políticas). Se o câmbio é forte, então é válido fazer política industrial para substituir importações. Se o câmbio é fraco, a proteção é automática.
Num país cujo horizonte de crescimento de longo prazo depende da capacidade de redução da dependência externa, por que submeter esse objetivo estratégico à conjuntura cambial?
A única explicação para essa baixa tolerância diante da opção por políticas de desenvolvimento talvez tenha origem na velha ideologia de que a prioridade é o respeito a certas metas fiscais.
Quando o câmbio se desvaloriza, há economistas que preferem estabilizar a moeda por meio de políticas de ajuste fiscal (boa parte desses economistas faz parte da burocracia do FMI).
Danem-se, nesse momento, políticas setoriais se elas se colocarem no caminho do ajuste fiscal, condição para trazer o câmbio a níveis toleráveis de desvalorização crônica.
Essa é a situação de inúmeras políticas setoriais e estratégicas no país hoje: houve redesenho e reforma do Estado, mas a asfixia fiscal torna secundárias e fragiliza as estruturas de regulação e desenvolvimento recém-criadas.
Não há por que acreditar numa compensação automática entre níveis de proteção criados por via fiscal ou pela via cambial. Esse nexo entre câmbio e proteção é o que mais apela ao senso comum, mas nem por isso é a única relação causal possível.
Resta saber até que ponto o Estado brasileiro tem capacidade para negociar metas de ajuste fiscal que não amputem os seus órgãos de planejamento estratégico e até militar. É o que se chamava antigamente de "projeto nacional".


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