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O "pacote" e o resto do mundo
ALOYSIO BIONDI
O governo brasileiro não quis
desobedecer ao FMI e ao governo Clinton. Anunciou um "pacote" apenas para tentar fechar
o chamado "rombo" do Tesouro, à custa de mais recessão, desemprego e corte nos já ridículos
serviços oferecidos à população.
Taxas de juros mantidas nas
nuvens. Nenhuma política de
crédito para as indústrias e
agricultores nacionais enfrentarem as importações, que levam
a imensa vantagem de serem financiadas a juros de 6% a 8%
ao ano. Nenhuma taxação extra
para os mais ricos. Nenhuma
providência contra os capitais
especulativos. Vale dizer, o país
vai continuar a "torrar" dólares, empregos e impostos com as
importações, as remessas, mantendo o "rombo" em dólares em
proporções crescentes -e ele já
está em US$ 35 bilhões a cada
ano.
É esse realmente o único caminho que o governo Fernando
Henrique Cardoso poderia trilhar? O que está acontecendo no
resto do mundo, afinal? A "crise
mundial" não deixa outras opções à sociedade brasileira? É
fato que até a China já está
ameaçada, como o ministro Pedro Malan fez questão de destacar, citando uma reportagem de
capa da revista "The Economist", da qual exibiu um exemplar para não deixar eventuais
dúvidas?
Para melhor entender os caminhos que o Brasil está trilhando e avaliar se haveria alternativas, vale a pena realmente uma olhada rápida sobre
o que está acontecendo em outros cantos do planeta. Advertência: o mundo está mergulhado em uma "guerra de informação" em que os EUA e o neoliberalismo são apresentados como
a "salvação" contra a "crise
mundial", com análises distorcidas e até mentiras deslavadas,
que apresentam "outros países"
como os grandes vilões.
China, pecado
O governo chinês vem realizando "reformas capitalistas",
abrindo segmentos de seu fabuloso mercado -e dando liberdade a movimentos de capitais
estrangeiros. Há coisa de um
mês, um mês e meio, após a crise
da Rússia, adotou "retrocesso",
no entender dos EUA e FMI.
Impôs controles no mercado
de câmbio, porque estava havendo remessa ilegal de dólares
para o exterior. E resolveu combater as importações desenfreadas, com medidas para evitar o
subfaturamento e o dumping
praticados por empresas estrangeiras (o sistema de controle é
parecido com a "valoração
aduaneira" que só agora, e em
escala ridícula, o Brasil começou a implantar).
Pecado mais grave: a China
anunciou que, por enquanto,
não vai entrar na Organização
Mundial de Comércio, para ter
maior liberdade de defender seu
mercado -pelo qual o interesse
dos EUA é óbvio... Em resumo:
apesar de suas fabulosas reservas em dólares, apesar de ter
saldos positivos em sua balança
comercial (e exportações superiores às importações), a China
já estabeleceu políticas defensivas para proteger sua moeda e
sua economia. Paralelo com o
Brasil?
Japão, monstro?
Analistas alinhados com os
interesses dos EUA apresentam
o Japão como um dos principais
responsáveis pela "crise mundial", atribuindo sua estagnação econômica aos "problemas
dos bancos", que teriam um
rombo de nada menos de US$ 1
trilhão... Ignorância, ou confusão proposital? Os bancos japoneses têm realmente algo como
US$ 1 trilhão em créditos cujos
responsáveis enfrentam dificuldades para quitá-los, por causa
da própria recessão japonesa.
Mas os créditos que podem ser
considerados como "perdidos"
mal chegam a 10% daquele valor. Na semana passada, o primeiro banco que se candidatou
ao programa de "socorro" do
governo mostrou isso claramente, com US$ 13 bilhões em créditos "em atraso" e só US$ 1,2 bilhão em créditos "perdidos".
Ah, a Rússia...
O ministro Malan fez questão
de lembrar que quando a crise
russa explodiu, a inflação chegou a 43% "em apenas 15 dias
de setembro", fazendo eco ao
noticiário que sugere uma taxa
inflacionária superior a 150%
até o final do ano. Enganoso.
Nos dias da "explosão", o dólar
mais que triplicou de preço
diante do rublo, houve pânico,
corrida às lojas, remarcação de
preços. Mas, desde então, o rublo, que havia caído do nível de
6 rublos por dólar para até mais
de 20, recuou para a faixa dos
13 -e os preços passaram a subir em ritmo totalmente diferente. Ah, sim: como uma desgraça nunca vem só, a Rússia
enfrenta violenta quebra de safras, por causa de La Niña. Após
excelente colheita de 60 milhões
de toneladas em 1997, previa-se
uma queda, para 50 milhões de
toneladas em 1998, devido à estiagem na época do plantio: o
resultado deve ser pior ainda,
porque, na época das colheitas,
houve inundações.
Petróleo, guinada
Os preços do barril de petróleo
caíram de US$ 18 para até US$
10 a US$ 11, no primeiro semestre deste ano. Um desastre para
grandes exportadores, como a
Rússia, México e Venezuela.
Com os cortes na produção
combinados pelos países da
Opep, os preços voltaram à faixa dos US$ 14 -fato solenemente ignorado pelos formadores de opinião. Nos próximos
dias, a Opep se reúne para novos cortes na produção, buscando levar os preços de volta ao nível dos US$ 18. A recuperação
da economia russa não é impossível como se diz.
Sem desemprego
Os "tigres asiáticos", que vêm
"desobedecendo" o FMI, estão
em franca recuperação. O ministro Malan procurou ignorar
o fato, citando quedas de 8% e
até 15% no PIB desses países.
São dados velhos, superados. A
Tailândia, onde a crise começou, acusava queda de 20% na
produção industrial, em março.
Em julho, a retração foi de 12%.
Atenção: apesar da crise violentíssima, nem empresas nem
bancos demitiram pessoal -revela o "Wall Street Journal" em
edição recente.
Moral da história: a tal "crise
mundial" é um belo argumento
para que o FMI continue a dar
ordens a alguns países.
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve às
quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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