São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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"China continuará subordinada aos EUA"

Para sociólogo chinês, estrutura de poder em Pequim favorece exportação, impedindo o aumento do consumo interno

Se financiamento chinês continuar, EUA podem mudar sua economia e passar a exportar tecnologia "verde", afirma professor


Mandel Ngan - 17.nov.09/France Presse
O presidente dos EUA, Barack Obama, é servido em jantar no Grande Palácio do Povo de Pequim

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

A estrutura de poder na China favorece os setores ligados à exportação, impedindo reformas que aumentem o consumo interno. Por isso, apesar da crise que reduziu a demanda nos EUA, seu principal mercado externo, o país tende a insistir em seu modelo de crescimento.
Essa é a aposta do sociólogo Ho-fung Hung, chinês de Hong Kong. "Economicamente, a China manterá um papel subordinado aos EUA. Vai esperar que os EUA saiam da crise para consumir mais os seus produtos e vai continuar a comprar títulos do Tesouro americano porque não quer ver a falência do mercado americano", disse Hung à Folha.
Autor do artigo sobre a relação EUA-China que abre o último número da revista britânica "New Left Review", Hung afirma que a manutenção do financiamento chinês permitiria aos EUA ganhar tempo para mudar sua economia e passar a exportar tecnologia "verde".
"O problema é a política interna americana. Se o Congresso não aprovar o corte das emissões, os EUA perderão a liderança na área", salienta. Nos EUA desde o início da década, Hung fez doutorado na Universidade Johns Hopkins e hoje leciona na Universidade de Indiana. De lá, deu a seguinte entrevista, por telefone.

 

FOLHA - Economistas dizem que a China tem de mudar seu modelo de crescimento e se voltar mais para o mercado interno. O senhor é cético em relação a isso. Por quê?
HO-FUNG HUNG
- Desde a crise asiática, o governo chinês vem falando em mudar para um modelo mais baseado no consumo interno privado. Mas não consegue fazer porque isso tem a ver com a distribuição da riqueza gerada pela prosperidade. Os lucros como proporção do PIB vêm crescendo, o que significa que as empresas ficam com boa parte da riqueza. Os salários, mesmo crescendo em termos absolutos, caem como proporção do PIB. Com isso, o poder de consumo dos assalariados não pode crescer muito. Outra parte do problema é a ausência de previdência e saúde públicas [o que obriga a população a poupar].

FOLHA - O senhor diz que em meados desta década os salários vinham crescendo, mas que líderes ligados às áreas industriais costeiras ficaram insatisfeitos...
HUNG
- Os burocratas e políticos ligados às Províncias costeiras voltadas à exportação e às grandes empresas têm mais poder, dominam a agenda pública e relutam em reduzir seus privilégios, como em qualquer outro país. Mas o problema é mais grave na China porque os trabalhadores e a população rural não estão representados por nenhum grupo institucionalizado. Sua voz tem muito menos eco. Há, portanto, uma situação política e social que mantém vigente o modelo de desenvolvimento dependente de exportações. Não acho fácil mudar.

FOLHA - A previsão é que o consumo nos EUA não voltará ao nível de antes da crise. Como a China manterá o crescimento baseado nas exportações?
HUNG
- O cenário ideal, claro, é que a China possa contar mais com o consumo interno privado para preencher esse vácuo. Mas não vejo isso acontecendo e, se acontecer, será necessário muito tempo para aumentar o nível dos salários e convertê-los em consumo. Por isso, economistas e assessores políticos já se preocupam com o que acontecerá quando passar o efeito do pacote anticrise. Hoje se repete o que aconteceu na crise asiática, quando o governo aumentou investimentos estatais, mas criou dívidas duvidosas e excesso de capacidade produtiva. Só que em 2000 os EUA vieram em socorro da China, porque a bolha americana cresceu e aumentou a demanda por produtos chineses. Agora, a possibilidade de os EUA ou outro mercado estrangeiro desempenhar esse papel é menor. A China terá de encarar problemas resultantes do crescimento dependente da exportação.

FOLHA - E a possibilidade de que a China seja mais agressiva em outros mercados, como o brasileiro?
HUNG
- Na China fala-se em buscar mercados nos países em desenvolvimento, mas é difícil que eles preencham o vazio deixado pelos EUA, que essencialmente comprometeram o poder de consumo das gerações futuras, tomando dinheiro emprestado para gastar. Ao mesmo tempo, muitos deles, como Brasil, México e vizinhos asiáticos, querem ter sua própria indústria e exportar bens industriais. Se a China tiver atuação muito agressiva para ampliar mercados, pode provocar uma guerra comercial.

FOLHA - O senhor diz que é do interesse dos EUA que a China mantenha esse papel financiador, porque lhes daria tempo de converterem-se numa economia "verde". Essa seria de fato uma estratégia racional dos líderes americanos?
HUNG
- Acho que é a intenção do governo [Barack] Obama, e muitos de seus assessores escreveram sobre isso. Não falam explicitamente do papel da China, mas que a estratégia dos EUA para sair da crise tem de ser encontrar novos setores manufatureiros, de alta tecnologia e não poluentes. O Departamento de Energia teve aumento grande em seu orçamento, a despeito do deficit, financiado pela China.
A ideia é que, com o estabelecimento de um teto global para emissões de gases causadores do efeito estufa, a demanda mundial por esse tipo de tecnologia vai crescer e os EUA podem se tornar seu grande exportador. Seria a situação ideal, mas o problema é a política interna. Se o Congresso não aprovar o corte de emissões, os EUA perderão a liderança na área.


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