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"China continuará subordinada aos EUA"
Para sociólogo chinês, estrutura de poder em Pequim favorece exportação, impedindo o aumento do consumo interno
Se financiamento chinês continuar, EUA podem
mudar sua economia e
passar a exportar tecnologia "verde", afirma professor
Mandel Ngan - 17.nov.09/France Presse
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O presidente dos EUA, Barack Obama, é servido em jantar no Grande Palácio do Povo de Pequim
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
A estrutura de poder na China favorece os setores ligados à
exportação, impedindo reformas que aumentem o consumo
interno. Por isso, apesar da crise que reduziu a demanda nos
EUA, seu principal mercado
externo, o país tende a insistir
em seu modelo de crescimento.
Essa é a aposta do sociólogo
Ho-fung Hung, chinês de Hong
Kong. "Economicamente, a
China manterá um papel subordinado aos EUA. Vai esperar que os EUA saiam da crise
para consumir mais os seus
produtos e vai continuar a comprar títulos do Tesouro americano porque não quer ver a falência do mercado americano",
disse Hung à Folha.
Autor do artigo sobre a relação EUA-China que abre o último número da revista britânica "New Left Review", Hung
afirma que a manutenção do financiamento chinês permitiria
aos EUA ganhar tempo para
mudar sua economia e passar a
exportar tecnologia "verde".
"O problema é a política interna americana. Se o Congresso não aprovar o corte das
emissões, os EUA perderão a liderança na área", salienta.
Nos EUA desde o início da
década, Hung fez doutorado na
Universidade Johns Hopkins e
hoje leciona na Universidade
de Indiana. De lá, deu a seguinte entrevista, por telefone.
FOLHA - Economistas dizem que a
China tem de mudar seu modelo de
crescimento e se voltar mais para o
mercado interno. O senhor é cético
em relação a isso. Por quê?
HO-FUNG HUNG - Desde a crise
asiática, o governo chinês vem
falando em mudar para um modelo mais baseado no consumo
interno privado. Mas não consegue fazer porque isso tem a
ver com a distribuição da riqueza gerada pela prosperidade.
Os lucros como proporção do
PIB vêm crescendo, o que significa que as empresas ficam
com boa parte da riqueza. Os
salários, mesmo crescendo em
termos absolutos, caem como
proporção do PIB. Com isso, o
poder de consumo dos assalariados não pode crescer muito.
Outra parte do problema é a
ausência de previdência e saúde públicas [o que obriga a população a poupar].
FOLHA - O senhor diz que em meados desta década os salários vinham
crescendo, mas que líderes ligados
às áreas industriais costeiras ficaram insatisfeitos...
HUNG - Os burocratas e políticos ligados às Províncias costeiras voltadas à exportação e
às grandes empresas têm mais
poder, dominam a agenda pública e relutam em reduzir seus
privilégios, como em qualquer
outro país. Mas o problema é
mais grave na China porque os
trabalhadores e a população rural não estão representados por
nenhum grupo institucionalizado. Sua voz tem muito menos
eco. Há, portanto, uma situação
política e social que mantém vigente o modelo de desenvolvimento dependente de exportações. Não acho fácil mudar.
FOLHA - A previsão é que o consumo nos EUA não voltará ao nível de
antes da crise. Como a China manterá o crescimento baseado nas exportações?
HUNG - O cenário ideal, claro, é
que a China possa contar mais
com o consumo interno privado para preencher esse vácuo.
Mas não vejo isso acontecendo
e, se acontecer, será necessário
muito tempo para aumentar o
nível dos salários e convertê-los em consumo.
Por isso, economistas e assessores políticos já se preocupam com o que acontecerá
quando passar o efeito do pacote anticrise. Hoje se repete o
que aconteceu na crise asiática,
quando o governo aumentou
investimentos estatais, mas
criou dívidas duvidosas e excesso de capacidade produtiva.
Só que em 2000 os EUA vieram em socorro da China, porque a bolha americana cresceu
e aumentou a demanda por
produtos chineses. Agora, a
possibilidade de os EUA ou outro mercado estrangeiro desempenhar esse papel é menor.
A China terá de encarar problemas resultantes do crescimento dependente da exportação.
FOLHA - E a possibilidade de que a
China seja mais agressiva em outros
mercados, como o brasileiro?
HUNG - Na China fala-se em
buscar mercados nos países em
desenvolvimento, mas é difícil
que eles preencham o vazio deixado pelos EUA, que essencialmente comprometeram o poder de consumo das gerações
futuras, tomando dinheiro emprestado para gastar.
Ao mesmo tempo, muitos deles, como Brasil, México e vizinhos asiáticos, querem ter sua
própria indústria e exportar
bens industriais. Se a China tiver atuação muito agressiva para ampliar mercados, pode provocar uma guerra comercial.
FOLHA - O senhor diz que é do interesse dos EUA que a China mantenha esse papel financiador, porque
lhes daria tempo de converterem-se
numa economia "verde". Essa seria
de fato uma estratégia racional dos
líderes americanos?
HUNG - Acho que é a intenção
do governo [Barack] Obama, e
muitos de seus assessores escreveram sobre isso. Não falam
explicitamente do papel da
China, mas que a estratégia dos
EUA para sair da crise tem de
ser encontrar novos setores
manufatureiros, de alta tecnologia e não poluentes. O Departamento de Energia teve aumento grande em seu orçamento, a despeito do deficit, financiado pela China.
A ideia é que, com o estabelecimento de um teto global para
emissões de gases causadores
do efeito estufa, a demanda
mundial por esse tipo de tecnologia vai crescer e os EUA podem se tornar seu grande exportador. Seria a situação ideal,
mas o problema é a política interna. Se o Congresso não aprovar o corte de emissões, os EUA
perderão a liderança na área.
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