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ENTREVISTA
Economista diz que o Brasil pratica "samba de uma nota só" e que Banco Central está sozinho no combate à inflação
Paulo Leme apóia BC, mas nega convite
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O economista Paulo Leme, 49,
diretor para mercados emergentes do Goldman Sachs, acha que o
Banco Central está agindo sozinho dentro do governo na política
de combate à inflação. "O Brasil
está praticando a política do samba de uma nota só no combate à
inflação", diz Leme.
Segundo o economista, a política monetária está sobrecarregada,
e é por isso que o Banco Central
está recorrendo ao aumento
constante de juros. Todos os outros instrumentos do governo que
poderiam contribuir para a queda
da inflação, como a política fiscal
e a política salarial, estão na direção contrária.
"A questão correta é saber se a
classe política brasileira está dando ou não as condições necessárias ao Banco Central para o cumprimento da meta, e a resposta é
não", afirmou Leme.
Questionado sobre a informação publicada sábado na Folha de
que ele teria sido sondado pelo
governo para ocupar uma diretoria do BC, Leme negou a informação. A seguir, a entrevista concedida por telefone de Miami, onde
o economista mora atualmente:
Folha - O que o sr. achou da ata do
Copom?
Paulo Leme - Achei que a linguagem foi um pouco mais restritiva
do que estava esperando. O recado foi muito claro. Não só a taxa
de juros vai continuar subindo
como vai permanecer alta por um
período mais longo. Os juros vão
fechar 2005 num nível mais alto
do que as projeções indicavam. A
atual diretoria do Banco Central
tem mantido a credibilidade e segue à risca o que escreve na ata.
Portanto, o mercado foi obrigado
a recalibrar as expectativas dos juros para um nível mais alto.
Folha - O sr. também recalibrou a
projeção para os juros?
Leme - Sim, como todo o mercado. Eu previa o primeiro corte de
0,25 ponto nos juros em julho, e
agora revi para agosto. Pelas minhas projeções anteriores à ata, os
juros básicos da economia iriam
encerrar o ano em 16,75%. Agora,
fechei a projeção em 17,75%. Ficou claro na ata do Copom a
preocupação do Banco Central
com a persistência da inflação. O
BC chegou a cogitar na ata um aumento maior dos juros na semana
passada, mas a própria ata alegou
que não existiam evidências e dados que justificassem a decisão.
Folha - O que justifica essa preocupação?
Leme - A ata denota três grandes
preocupações. A primeira, o fato
de o núcleo da inflação continuar
incompatível com a meta de inflação. Segundo, o ritmo de crescimento da demanda agregada não
ser condizente com a queda da inflação. E, em terceiro, a rigidez das
expectativas de inflação. As previsões caíram de 5,9% para apenas
5,7%. As expectativas continuam
sem ceder, apesar de alguns fatores positivos, como a apreciação
do câmbio e o preço do petróleo
não exigirem novos aumentos de
combustível. Mesmo assim, as expectativas de inflação continuam
altas, o que preocupa a autoridade
monetária.
Folha - O Banco Central não estaria sendo ortodoxo demais?
Leme - Não está sendo nem ortodoxo nem duro demais. Está
sendo apenas coerente em cumprir a missão de que foi encarregado, que é reduzir a inflação para
a meta de 5,1% para este ano. A
pergunta correta não é se o BC está sendo ortodoxo demais. A
questão correta é saber se a classe
política brasileira está dando ou
não as condições necessárias ao
BC para o cumprimento da meta.
E a resposta é não.
Folha - Como assim?
Leme - Está se sobrecarregando
demais o instrumento de política
monetária. A política monetária
está sendo forçada a alcançar
mais objetivos do que ela é capaz
de atingir. Há outros instrumentos que também poderiam afetar
o nível de preços, a política monetária não é o único.
Apesar de sensata e de cumprir
com as metas de superávit primário, a composição da política fiscal, por exemplo, é expansiva. O
grau de aumento da despesa corrente acima de 10% é incompatível com a meta de inflação. Essa
política expansiva dificulta o trabalho do Banco Central de obtenção da meta de inflação. Não é a
política monetária que está ortodoxa demais. Os outros instrumentos é que estão dificultando a
obtenção da meta. Outro exemplo é a política salarial expansiva.
Ela alimenta a demanda doméstica e o consumo privado. Aumentar o mínimo significa mais pressão sobre a inflação.
Folha - Mas a desvalorização do
dólar não ajuda a conter a inflação?
Leme - Quando se adiciona o objetivo de aumentar o estoque de
reservas, especialmente em razão
das incertezas para 2006 e 2007, o
Banco Central acaba impedindo o
processo de valorização natural
do câmbio. Isso acaba prejudicando a queda da inflação pela
apreciação normal do câmbio. Ou
seja, se não houvesse intervenção
de espécie alguma, nem no mercado de swap (futuro) nem no
pronto (dólar à vista), o real iria se
valorizar ainda mais.
Ao comprar dólar, o BC impede
a plena apreciação do real. O fenômeno de desvalorização do dólar é global e atinge todas as moedas de países emergentes do
mundo. Não é de se surpreender,
por isso mesmo, que a política
monetária tem de ser restritiva.
Você tem três instrumentos para
reduzir a inflação, a política fiscal,
a política monetária e o câmbio
-mas só um, a política monetária, pode atuar.
As outras políticas não estão
harmonizadas com a política de
combate à inflação. Há um desequilíbrio no mix de políticas do
governo. São por essas razões que
o instrumento monetário está sobrecarregado. O Brasil está praticando a política do samba de uma
nota só no combate à inflação.
Folha - A meta de inflação não é
rígida demais?
Leme - A meta é razoável. Não há
ganhos em ter uma inflação
maior. Quanto mais for permissiva a política em tolerar inflações
mais altas, pior será para o país.
Seria a pior política social do governo Lula tolerar inflações mais
altas. Por isso, a meta tem de ser
ambiciosa de fato.
Folha - No caso de uma maior desvalorização do dólar, o Brasil não
corre o risco de perder em competitividade no mercado externo?
Leme - O que realmente afeta a
competitividade é a taxa real efetiva do câmbio comparada a uma
cesta de moedas do comércio do
país. Quando se faz esse cálculo, o
que se vê é que o Brasil perdeu
muito pouco em competitividade. Isto porque não é só o real que
está se valorizando em relação ao
dólar, mas todas as outras moedas, inclusive o euro.
Além disso, apesar da recuperação recente do salário, a queda do
salário real foi muito grande nos
últimos anos. O custo unitário da
mão de obra no Brasil é 50% mais
competitiva do que era em 98. O
Brasil não perdeu em competitividade quando se mede a taxa de
câmbio de maneira adequada. A
margem de lucro do exportador
no Brasil ainda é muito grande.
Folha - Como o sr. vê o cenário externo para os próximos anos?
Leme - Apesar das muitas incertezas, o quadro externo ainda
continua muito favorável. As
perspectivas ainda são muito positivas para o crescimento mundial. A demanda por matérias-primas continua elevada, há ainda uma grande liquidez internacional e muito apetite para riscos.
Há riscos, mas o quadro mais
provável para 2005 é que a economia internacional ainda vai propiciar um crescimento da economia brasileira próximo a 4%. O
vento continua soprando a favor.
O que acho é que o governo deveria aproveitar 2005, que não é
um ano eleitoral, para deslanchar
as reformas estruturais. Entre
elas, o projeto de autonomia do
BC, a reforma da Previdência, a
reforma tributária e a trabalhista.
O país não pode desperdiçar mais
uma vez esta oportunidade. Outra
grande reforma poderia ser na
área comercial. O Brasil deveria
privilegiar os Estados Unidos e a
Europa como parceiros comerciais, e não a chamada política
Sul-Sul. Os outros parceiros são
muito pequenos em relação aos
Estados Unidos e à Europa. O
Brasil precisa enfrentar de vez a
questão da Alca.
Folha - O sr. foi sondado para ocupar uma diretoria do Banco Central?
Leme - Nem para ministro dos
Esportes. Não há o menor fundamento.
Folha - E se fosse convidado?
Leme - Não opero sobre cenários
especulativos.
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