UOL


São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Inteligência coletiva e destruição criadora definem nova era

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Os historiadores do futuro olharão para a passagem do século 20 para o 21 como uma época marcada pela contradição entre a emergência de novas formas de inteligência e a sofisticação crescente das formas de destruição.
Destacarão a bolha especulativa da "nova economia" como um marco da inovação tecnológica, centrada na organização de redes inteligentes animadas por uma inteligência coletiva. Mas terão de lidar com o colapso também coletivo do sistema internacional criado depois da Segunda Guerra, marcado pela proliferação de conflitos armados, levantes de multidões globalizadas e desestruturação sistêmica da economia planetária.
Ao contrário do que previam os catastrofistas, não houve uma crise final do capitalismo. As esperanças de uma nova Renascença também foram frustradas e o mundo acabou mais parecido com uma nova Idade Média.
A noção de história não desapareceu, apesar das tentativas de alguns filósofos, mas generalizou-se a perplexidade com relação ao próprio sentido do tempo. Não ficava claro se a humanidade avançava ou retrocedia.
A ambiguidade da "seta do tempo" encontrava paralelo numa vertigem da percepção do espaço, pois o poder das corporações multinacionais e a expansão contínua de aplicações socioeconômicas das tecnologias de informação e comunicação fortaleciam redes sobrepostas, aparentemente convergentes, muito além das fronteiras tradicionais. Mas a conquista de territórios e fontes de energia, no velho estilo colonialista, tornava a luta humana por territórios tão bárbara quanto nos primórdios da evolução.
Entre as visões de mundo que hoje se confrontam na construção e gestão de redes de informação e comunicação, a de uma "inteligência coletiva" é uma das mais notáveis pelo seu vigor intelectual, combinado a uma potente metáfora. Pierre Lévy, um filósofo da nova era que criou a cátedra de inteligência coletiva do Canadá, convocava para o desenvolvimento de uma ciência da inteligência coletiva.
A imagem de uma "destruição criadora", criada por um dos mais importantes pensadores do século 20, Joseph A. Schumpeter, ganhou relevância ainda maior no início do século 21.
Economista atento à questão do desenvolvimento econômico e ao estudo das inovações tecnológicas, Schumpeter era um catastrofista que não acreditava no socialismo. Deixou uma lição: a evolução nos aspectos tecnológicos do design, principalmente de ferramentas e equipamentos, não resolve a indeterminação do seu valor social, fortemente condicionado pelo modelo de desenvolvimento de cada país.
Sem mudanças no "contexto de desenvolvimento", em especial na inserção internacional de cada empresa, região ou país, a inovação tecnológica é inócua ou insustentável, inclusive do ponto de vista ambiental.
O contraponto entre inteligência e destruição é talvez o que hoje mais provoca perplexidades e mobilizações políticas em todo o mundo. Fica ainda mais gritante em projetos como o do programa TIA ("Total Information Awareness") do governo dos EUA, um sistema de inteligência militar supostamente capaz de rastrear e interpretar toda a informação gerada pelo movimento de pessoas pelo mundo. Uma versão turbinada das metodologias de CRM (softwares de administração do relacionamento com clientes).

Texto Anterior: Painel S.A.
Próximo Texto: Opinião econômica: Minas não há mais
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.