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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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Independência é vital na reconstrução, diz economista

DA REPORTAGEM LOCAL

A recuperação econômica e social do Iraque só será possível se o país fizer arranjos institucionais independentes. Uma intervenção política norte-americana deverá minar a possibilidade de criação de um bloco econômico pan-árabe no Oriente Médio.
As afirmações partem do economista iraquiano Kamil Mahid. Professor na Universidade de Exter, na Inglaterra, Mahid vive no exílio há três décadas. O economista, que não quis revelar a idade, prefere não comentar a respeito das convicções políticas que o levaram a deixar seu país natal. Mas não poupa críticas ao que chama de "política de dominação imperial" dos EUA.
"É um grande cinismo chamar essa invasão militar de "Liberdade para o Iraque". Essa intervenção não trará nenhuma liberdade para o povo iraquiano. É simplesmente uma campanha para dominar e controlar as reservas de petróleo do Oriente Médio", diz.
A desconfiança do economista em relação ao poderio imperial dos EUA também se reflete no seu ceticismo a respeito dos projetos de reconstrução do Iraque.
"Essa reconstrução vai ser custeada pelo próprio Iraque. Recentemente [no dia 20 de março", o governo dos Estados Unidos bloqueou todos as contas não-diplomáticas em nome do governo do Iraque e de outras instituições oficiais. É com esse dinheiro que eles pretendem reconstruir o país", declara o economista.
A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone. (CC)

Folha - Qual tem sido o efeito para a economia iraquiana do embargo imposto pela ONU?
Kamil Mahid -
O embargo agravou a situação econômica. A economia já havia se deteriorado bastante em decorrência da guerra entre o Irã e o Iraque, que gerou um aumento expressivo da dívida externa. Sem o embargo, poderíamos ter assistido ao desenvolvimento dos setores petroquímico e químico iraquianos, que poderiam ter levado a uma retomada da economia. O setor agrícola, que havia tido um impulso de modernização nos anos 80, também foi severamente afetado. O embargo, de uma tacada só, eliminou a maior parte das fontes de recurso do Estado e aproximadamente 95% do fluxo de capitais externos.

Folha - No caso de reconstrução ao final da guerra, quais seriam os setores vitais para a restauração da economia iraquiana?
Mahid -
Falar sobre reconstrução enquanto as bombas ainda estão caindo sobre o Iraque é prematuro. Mas não se pode pensar em reestruturação da economia no Iraque sem passar primeiro pelos elementos básicos, que são a estabilidade política e a independência. Todos esses anos de guerra minaram os setores estatal, que era o principal provedor de educação, e de serviços públicos, como transportes e comunicação. Além disso, será preciso restabelecer a normalidade das relações com as economias mundiais. Uma eventual restruturação não pode ser encarada apenas como um grupo de empresas que chegam e instalam uma série de projetos. Há que se estabelecer, primeiramente, quais são as prioridades nacionais e quais os arranjos institucionais para promover isso. Mas os EUA têm interesses totalmente contrários a isso.

Folha - Como andam os principais indicadores da economia?
Mahid -
Não há números confiáveis sobre a economia iraquiana. Sabe-se que a taxa de desemprego é extremamente elevada, assim como o número de pessoas que estão na economia informal. Hoje, há também um enorme contingente de mão-de-obra deslocado para o Exército. Quanto ao PIB, é muito difícil quantificar. Ele é constituído quase que inteiramente pela indústria do petróleo, que é uma commodity de muita volatilidade. Há também o agravante de que 28% das receitas dessa indústria vão para um fundo da ONU a título de compensação de guerra.

Folha - No caso de uma ocupação norte-americana no Iraque, quais seriam as consequências para a integração dos países árabes?
Mahid -
Se os Estados Unidos exercerem forte influência política no Iraque, o mais provável é o enfraquecimento da possibilidade de integração econômica entre os países árabes. Atualmente, o comércio intra-regional é muito pouco expressivo. Os países deveriam tirar vantagem da proximidade econômica e cultural entre eles para competirem estrategicamente em bloco.

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