São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A hora da verdade

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A hora da verdade chegou para o governo Lula. A turbulência financeira que estamos vivendo acabou com o céu de brigadeiro dos últimos meses. Chegamos ao momento em que entender a dinâmica política e econômica nesse novo cenário é condição necessária para uma análise correta sobre o que nos aguarda no futuro. A fase mais fácil me parece ter passado, e as dificuldades à frente são enormes.
As melhoras na taxa de câmbio, no risco Brasil, nos índices de inflação e nos juros internos que ocorreram nos últimos 12 meses foram motivadas por três fatores principais. O primeiro, e o mais importante, resultou da inversão de expectativas que ocorreu entre o período eleitoral e o primeiro ano do governo Lula. A conversão do PT à ortodoxia macroeconômica, comandada pelo ministro Palocci, devolveu a confiança aos mercados financeiros. Como estes terminaram 2002 esperando um governo Lula de acordo com sua história, essa guinada de 180 graus provocou uma melhora significativa nas variáveis macroeconômicas, ao longo de 2003.
A estabilização da taxa de câmbio e a política monetária do Banco Central fizeram com que os explosivos índices de inflação, verificados no início do mandato de Lula, se acomodassem em níveis aceitáveis, já ao final de 2003. Por outro lado, a confiança na gestão da política econômica normalizou nosso risco de crédito nos mercados financeiros, e o fluxo de recursos externos voltou a seu leito normal.
O segundo fator que contribuiu para essa sensação de sucesso do governo foi a situação de extrema liquidez que prevalecia nos mercados internacionais em 2003 e no início de 2004. Por essa razão, o processo de correção dos preços dos ativos brasileiros, iniciado com o aumento de confiança no governo, ganhou uma intensidade ainda maior. Quando comparado com o que ocorreu com outros países emergentes, a redução do risco Brasil, a valorização das cotações das ações brasileiras e a valorização de nossa moeda chamaram a atenção de todos por sua intensidade.
Finalmente, o crescimento extraordinário de nossas exportações, em razão do chamado efeito China e da volta do crescimento econômico nos Estados Unidos, deu uma consistência ainda maior ao processo de ajuste. O saldo comercial de mais de US$ 25 bilhões fez com que nossa deficitária conta corrente externa ficasse positiva, depois de quase uma década apresentando déficits expressivos.
O resultado final da conjugação dessas três forças foi a sensação de que tínhamos um governo com controle total da política econômica -o que, associado a uma taxa extraordinária de apoio popular, garantia finalmente um período de estabilidade e crescimento para o Brasil. Nesse cenário de céu de brigadeiro, poucas vozes ousavam apontar algumas nuvens negras que poderiam mudar o ambiente do otimismo.
A contradição básica que alguns levantavam era o conflito entre as promessas eleitorais de Lula e as possibilidades de crescimento associadas à manutenção da política econômica de seu antecessor. Afinal, o chamado malanismo tinha mostrado, nos seis anos anteriores, ter dificuldade para gerar taxas de crescimento econômico suficientes para reduzir o desemprego e inverter o processo de queda na renda do trabalho de milhões de brasileiros.
No período Lula, aos juros reais elevados e a uma carga tributária excessiva, em crescimento contínuo para tentar estabilizar a dívida pública, foi adicionado um ambiente regulatório confuso e instável. Essa combinação de conservadorismo macroeconômico com um discurso populista não parecia, aos poucos críticos do governo, uma receita estável. Mas os sucessos conjunturais iniciais e o discurso sobre uma tal herança maldita mascararam essa contradição.
Entramos agora em um período em que os ganhos do passado estão perdendo grande parte do brilho inicial. Adicionalmente, a opinião pública toma consciência de que o governo não tem capacidade administrativa para realizar seus projetos e que a liderança de Lula é confusa e pouco eficiente.
À medida que o ano passa e os dados revelam a verdadeira dimensão da recuperação econômica em curso, essa contradição, entre promessas e realidade, torna-se cada dia mais clara. Em algum momento, enfrentaremos uma crise de proporções graves e de difícil solução. A confusão externa adiciona um ingrediente a mais nesse quadro de dificuldades.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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