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País pode virar Venezuela, afirma juiz de Belo Monte
Magistrado vê em reação do governo às suas decisões "perigoso jogo contra a democracia"
Juiz que suspendeu por
três vezes leilão da usina
hidrelétrica no rio Xingu diz
que governo "atropelou" a
legislação "desde o início"
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM
Responsável pela polêmica
jurídica em torno da hidrelétrica de Belo Monte (PA), ao suspender por três vezes o leilão da
usina, o juiz federal Antonio
Carlos de Almeida Campelo,
47, vê na reação do governo federal às suas decisões um "perigoso jogo contra a democracia
do Brasil" e uma aproximação
às práticas do presidente venezuelano, Hugo Chávez.
Campelo não descarta que o
governo, ao realizar o pregão,
tenha desobedecido à sua terceira liminar e vê ameaça na
possibilidade aventada de a
AGU (Advocacia-Geral da
União) representar contra ele
no CNJ (Conselho Nacional de
Justiça). "O que está acontecendo, pelo encadeamento das
coisas, é um perigoso jogo contra a democracia do Brasil."
"Uma coisa é discordar de decisão judicial e recorrer pelos
meios adequados. Outra é você
deixar de cumprir decisões judiciais e até ameaçar juízes."
"Daí vai se transformar numa Venezuela, onde tem uma
juíza presa porque tem uma decisão contrária ao governo",
disse em seu gabinete, em Belém, lembrando as recentes críticas de Lula às multas eleitorais que recebeu da Justiça.
"Nem na própria ditadura
houve isso", afirmou o titular
da subseção de Altamira (PA).
Campelo, que é paraense, estudou engenharia e matemática antes de cursar direito na
UFPA (Universidade Federal
do Pará). Por isso, disse, sentiu-se confortável analisando, por
quatro dias, os relatórios técnicos em que baseou sua segunda
decisão de suspender o leilão.
Ele ainda julgará ao menos
seis ações que podem anular a
licitação, que teve como vencedor o consórcio Norte Energia.
Inicialmente, disse que o governo "atropelou" a legislação
"desde o início", tornando o leilão, do ponto de vista jurídico,
"extremamente frágil".
Um dos pontos dessa fragilidade, disse, é a polêmica sobre
se a União foi ou não notificada
a tempo da terceira suspensão,
uma hora antes do pregão.
Ele afirmou que os endereços
eletrônicos usados para o aviso
foram os mesmos das duas primeiras liminares e que havia
"interesse" da União em não
acusar o recebimento das mensagens, na última vez. Mas o
juiz não arrisca opinião definitiva sobre se houve descumprimento da ordem judicial.
Apesar de ressaltar, nos autos, as falhas do projeto, ele não
acha que uma usina no rio Xingu seja inviável, e sim que é preciso melhorar os estudos dos
impactos socioambientais.
Barril de pólvora
Segundo Campelo, os estudos foram feitos sem ouvir todos os interessados, o que radicalizou posições e criou o risco
de Altamira "se transformar
num barril de pólvora".
Apesar das "pressões" de ambos os lados -até da Abin
(Agência Brasileira de Inteligência), como Campelo disse à
Folha na semana passada-, ele
voltou a defender sua isenção.
E, questionado se vê motivação eleitoral no que ele chamou
de "pressa" do governo em leiloar Belo Monte, disse: "Só senti o impacto quando as decisões
foram reformadas pelo tribunal e [apareceu] a coisa de "temos que fazer o leilão a qualquer custo". Alguma coisa tem
que estar por trás disso".
A AGU disse que não comentaria as declarações do magistrado, mas negou que tenha
ameaçado representar contra
ele no CNJ e que o governo tenha feito o leilão de maneira
ilegal. A Abin já afirmou que o
acompanhamento do trabalho
do juiz foi regular.
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