São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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ARTIGO

Estabilidade pode ser a maior inimiga britânica

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Uma estabilidade extraordinária, quase sobrenatural, em termos históricos, emergiu na economia do Reino Unido. Ela vem crescendo já há 47 trimestres, em um total acumulado de 39%. Entre os integrantes do G7 (Grupo dos 7, maiores países industrializados), nenhuma outra nação demonstrou tamanha estabilidade. Por que isso aconteceu? E será que a situação perdurará?
Uma análise fascinante de Bill Martin, até recentemente economista-chefe na UBS Global Asset Management, e Robert Rowthorn, da Universidade de Cambridge, demonstra que esse ganho de estabilidade não se limita ao Reino Unido. Entre 1994 e 2003, a instabilidade no crescimento e a inflação também foram notavelmente mais baixas do que a norma histórica recente nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, na Itália e no Japão.
Mesmo assim, o desempenho do Reino Unido vem sendo notável. Primeiro, a redução na instabilidade não coincidiu com um período de baixo crescimento econômico, como aconteceu na Alemanha, na França, na Itália e no Japão. Entre o segundo trimestre de 1992 e o primeiro trimestre deste ano, a economia britânica se expandiu ao ritmo de 2,9% ao ano. Ao longo do mesmo período, a economia da França se expandiu a 1,9%, a italiana e a japonesa, a 1,4%, e a alemã, a apenas 1,2%. Das economias do G7, apenas a dos Estados Unidos e a do Canadá cresceram mais rápido do que a britânica.
Segundo, entre 1994 e 2003, o crescimento britânico foi mais estável que o dos Estados Unidos, da Alemanha, da França, da Itália e do Japão. A instabilidade britânica quanto à inflação também foi inferior às da Alemanha, do Japão e da Itália.

Três pontos
Por que surgiu essa imensa melhora no desempenho econômico do Reino Unido? Para responder a essa pergunta, é preciso considerar o que o Reino Unido tem em comum com outras economias avançadas e o que existe de especial no país. Martin e o professor Rowthorn consideraram três conjuntos de explicações para a melhora geral da estabilidade: 1) mudanças estruturais nas economias, como a transição da indústria para os serviços, administração de estoques superior e desregulamentação financeira; 2) melhora nas políticas públicas e instituições; 3) choques menos intensos.
Uma análise cuidadosa sugere que a maior parte das explicações estruturais não funciona, ainda que se deva ressaltar uma exceção plausível: a integração econômica e internacional e, com isso, a maior pressão competitiva exercida sobre e dentro das economias nacionais.
Já a mudança de regime político é mais convincente. A visão otimista deveria ser a de que, depois de aproximadamente 70 anos de experiências frustradas, aprendemos, enfim, como administrar um regime monetário autônomo sem âncora externa, como o ouro. A diferença é a adoção, mais ou menos explícita, de metas de inflação. Mas a autonomia inerente a um regime desse tipo, como explicou recentemente o presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, é restrita pela delegação ao banco central do poder para determinar as taxas de juros.
Elogiar o próprio desempenho é uma atividade agradável. Mas Martin e o professor Rowthorn estipulam certas exceções. Sua análise sugere que os choques também se tornaram mais moderados nos últimos 20 anos e isso, por sua vez, tornou mais fácil estabilizar as economias.

Flexibilidade
Por que, então, o Reino Unido se saiu tão bem em combinar crescimento a uma instabilidade menor? Uma resposta poderia ser o fato de que os britânicos avançaram mais na transição rumo à flexibilidade microeconômica. As outras economias da esfera anglo-saxã também se reformaram e liberalizaram mais do que as demais economias avançadas.
A maior questão, no entanto, é determinar se esse período de crescimento estável pode perdurar. Uma parte da resposta depende dos choques aos quais a economia mundial está exposta. Petróleo custando mais de US$ 100 por barril desestabilizaria a economia do Reino Unido (e o mundo) de maneira substancial, mesmo que a resposta das autoridades fosse menos incompetente do que nos anos 70.
No entanto existe uma possibilidade mais perturbadora -a de que a redução da instabilidade encoraje as pessoas a assumir mais riscos. Um exemplo óbvio é o mercado britânico da habitação. Taxas de juros baixas e estáveis encorajaram um nível cada vez mais alto de endividamento domiciliar e uma explosão no preço das casas. A visão otimista é que essa vulnerabilidade ampliada tornará mais efetivas quaisquer pequenas mudanças nas taxas de juros. A pessimista é que isso também tornará mais difícil ao banco central calibrar sua resposta aos choques.

Sorte
No geral, o desempenho da economia britânica foi notável não apenas em comparação com a referência histórica do país mas também diante de muitas das demais economias avançadas. A melhora resulta tanto de sorte quanto de decisões sensatas. Mas não se pode determinar se vai perdurar. Grandes choques continuam a ser possíveis.
O mais preocupante é a possibilidade de que a estabilidade seja sua maior inimiga. Se a queda na instabilidade persuadir as pessoas a assumir riscos cada vez maiores, as economias se tornarão de novo instáveis. Nem que apenas por esse motivo, seria imprudente presumir que o sucesso espantoso dos últimos 12 anos durará para sempre.


Tradução de Paulo Migliacci


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