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OPINIÃO ECONÔMICA
Um pouco de história...
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Na coluna da semana passada, iniciei uma reflexão
sobre a questão da dívida pública
interna a partir das declarações
do ex-presidente Fernando Henrique à revista "Primeira Leitura". Entre as questões que teremos que enfrentar está a de encontrar mecanismos de mercado
que permitam reduzir, drasticamente, as taxas de juros reais, hoje por volta de 10% ao ano, para
aplicações financeiras de liquidez
diária. Os juros reais mais elevados devem ocorrer em operações
de médio e longo prazo, construindo o que se chama no mercado de uma "yield curve" positivamente inclinada. O Brasil é o
único país no mundo que remunera a chamada moeda de transação da economia com taxas
reais muito elevadas, o que provoca um aumento importante na
carga de juros no Orçamento fiscal.
Um outro problema associado a
esse arranjo institucional de nosso mercado é o desestímulo para
as aplicações de prazo mais longo.
Com as taxas de juros elevadas
nas operações de um dia, por que
correr o risco de travar uma determinada taxa de juros nominal
por um prazo mais longo? A única saída para alongar o perfil da
dívida pública interna nessas
condições é a colocação de títulos
indexados à taxa de overnight, a
um índice de inflação ou ao dólar. Mas essa saída leva à criação
de mecanismos de indexação que
reduzem a eficácia da política
monetária e aumentam a volatilidade dos mercados.
A criação desse sistema único
de estrutura a termo de taxas de
juro no Brasil ocorreu ao longo de
mais de 30 anos de nossa história
recente, em razão de agressões
aos termos dos contratos financeiros. A partir de 1975, foram
constantes as intervenções do governo no sentido de tentar, artificialmente, reduzir as taxas de inflação. Foram os expurgos de índices de inflação e as tablitas sobre taxas de juros nominais que
levaram os investidores para o
abrigo das aplicações por um dia.
Tudo começou em 1975, quando o ministro Simonsen decidiu
por uma ação corretiva para
compensar as taxas de inflação,
mantidas artificialmente baixas
depois do choque de petróleo de
1973. Os investidores em papéis de
juros prefixados sentiram-se tungados em suas aplicações e buscaram refúgio mais seguro nos títulos indexados à inflação. Até então nosso mercado trabalhava,
sem problemas, com títulos de juros fixos de prazo até dois anos.
Foi nesse momento, em que perdemos a virgindade, que iniciamos um processo quase histérico
de busca de indexações nos contratos de natureza financeira.
Em 1979, depois do segundo
choque do petróleo, com a inflação em disparada, o mesmo ministro Simonsen dá uma segunda
canetada nos investidores. Ele
promove o primeiro expurgo dos
índices de inflação que serviam
de indexadores no mercado financeiro e leva os investidores para o porto seguro da indexação ao
dólar. Mais um elo de uma antiga
inocência é perdido nesse momento.
Em 1985, no primeiro governo
pós-redemocratização, o caos estava instalado em nosso mercado
financeiro. Na tentativa de evitar
uma fuga de capitais destruidora
de nossa economia, o Banco Central inicia uma indexação legal à
taxa do overnight no mercado de
títulos públicos. Assumindo o
compromisso de manter a taxa
Selic sempre com um juro real
bem acima da inflação, ele tentava acalmar os detentores de ativos financeiros. Foi nesse período
cunhada a expressão "moeda indexada" para as operações de
curto prazo com títulos públicos.
Na prática, nossa autoridade monetária passava a emitir uma segunda moeda legal no país e que
conviveria com a moeda oficial.
Essa convivência entre duas
moedas legais, uma submetida à
corrosão da inflação e a outra às
duras penas mantendo seu poder
de compra, durou até a implantação do Plano Real, em 1994. O
real -e sua vinculação ao dólar- ganhou a confiança dos
brasileiros, o que permitiu que
fosse desarmado o mecanismo
anterior de uma moeda indexada. Mas não houve uma preocupação do governo em promover
uma reformulação do sistema baseado em taxas de juros elevadas
nas operações de um dia. Continuamos com a remuneração real
da moeda de transação e a atração dos recursos financeiros dos
investidores para o curto prazo.
Diria até que esse processo se
agravou, na medida em que os juros reais foram mais elevados e a
confiança em nossa moeda ficou
maior.
Como disse no início desta nossa conversa, não podemos perder
mais tempo na busca de um mercado de juros segundo os padrões
das outras economias de mercado. A contagem do tempo e a conta de juros não permitem que esse
rearranjo seja postergado. Como
fazer essa mudança será objeto de
uma outra coluna.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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