São Paulo, sexta-feira, 30 de julho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um pouco de história...

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Na coluna da semana passada, iniciei uma reflexão sobre a questão da dívida pública interna a partir das declarações do ex-presidente Fernando Henrique à revista "Primeira Leitura". Entre as questões que teremos que enfrentar está a de encontrar mecanismos de mercado que permitam reduzir, drasticamente, as taxas de juros reais, hoje por volta de 10% ao ano, para aplicações financeiras de liquidez diária. Os juros reais mais elevados devem ocorrer em operações de médio e longo prazo, construindo o que se chama no mercado de uma "yield curve" positivamente inclinada. O Brasil é o único país no mundo que remunera a chamada moeda de transação da economia com taxas reais muito elevadas, o que provoca um aumento importante na carga de juros no Orçamento fiscal.
Um outro problema associado a esse arranjo institucional de nosso mercado é o desestímulo para as aplicações de prazo mais longo. Com as taxas de juros elevadas nas operações de um dia, por que correr o risco de travar uma determinada taxa de juros nominal por um prazo mais longo? A única saída para alongar o perfil da dívida pública interna nessas condições é a colocação de títulos indexados à taxa de overnight, a um índice de inflação ou ao dólar. Mas essa saída leva à criação de mecanismos de indexação que reduzem a eficácia da política monetária e aumentam a volatilidade dos mercados.
A criação desse sistema único de estrutura a termo de taxas de juro no Brasil ocorreu ao longo de mais de 30 anos de nossa história recente, em razão de agressões aos termos dos contratos financeiros. A partir de 1975, foram constantes as intervenções do governo no sentido de tentar, artificialmente, reduzir as taxas de inflação. Foram os expurgos de índices de inflação e as tablitas sobre taxas de juros nominais que levaram os investidores para o abrigo das aplicações por um dia.
Tudo começou em 1975, quando o ministro Simonsen decidiu por uma ação corretiva para compensar as taxas de inflação, mantidas artificialmente baixas depois do choque de petróleo de 1973. Os investidores em papéis de juros prefixados sentiram-se tungados em suas aplicações e buscaram refúgio mais seguro nos títulos indexados à inflação. Até então nosso mercado trabalhava, sem problemas, com títulos de juros fixos de prazo até dois anos. Foi nesse momento, em que perdemos a virgindade, que iniciamos um processo quase histérico de busca de indexações nos contratos de natureza financeira.
Em 1979, depois do segundo choque do petróleo, com a inflação em disparada, o mesmo ministro Simonsen dá uma segunda canetada nos investidores. Ele promove o primeiro expurgo dos índices de inflação que serviam de indexadores no mercado financeiro e leva os investidores para o porto seguro da indexação ao dólar. Mais um elo de uma antiga inocência é perdido nesse momento.
Em 1985, no primeiro governo pós-redemocratização, o caos estava instalado em nosso mercado financeiro. Na tentativa de evitar uma fuga de capitais destruidora de nossa economia, o Banco Central inicia uma indexação legal à taxa do overnight no mercado de títulos públicos. Assumindo o compromisso de manter a taxa Selic sempre com um juro real bem acima da inflação, ele tentava acalmar os detentores de ativos financeiros. Foi nesse período cunhada a expressão "moeda indexada" para as operações de curto prazo com títulos públicos. Na prática, nossa autoridade monetária passava a emitir uma segunda moeda legal no país e que conviveria com a moeda oficial.
Essa convivência entre duas moedas legais, uma submetida à corrosão da inflação e a outra às duras penas mantendo seu poder de compra, durou até a implantação do Plano Real, em 1994. O real -e sua vinculação ao dólar- ganhou a confiança dos brasileiros, o que permitiu que fosse desarmado o mecanismo anterior de uma moeda indexada. Mas não houve uma preocupação do governo em promover uma reformulação do sistema baseado em taxas de juros elevadas nas operações de um dia. Continuamos com a remuneração real da moeda de transação e a atração dos recursos financeiros dos investidores para o curto prazo. Diria até que esse processo se agravou, na medida em que os juros reais foram mais elevados e a confiança em nossa moeda ficou maior.
Como disse no início desta nossa conversa, não podemos perder mais tempo na busca de um mercado de juros segundo os padrões das outras economias de mercado. A contagem do tempo e a conta de juros não permitem que esse rearranjo seja postergado. Como fazer essa mudança será objeto de uma outra coluna.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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