São Paulo, sexta-feira, 30 de julho de 2004

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VIZINHO EM CRISE

Celebridades assinam texto em que pedem que a renegociação da dívida não colabore para elevar a pobreza

Argentina paga anúncio contra credores

CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

O governo argentino iniciou uma cruzada internacional a fim de angariar apoio contra as pressões do FMI (Fundo Monetário Internacional) e credores para que aumente a oferta do pagamento da dívida pública, em moratória desde dezembro de 2001, e para convencer a comunidade internacional de que o país age de boa-fé nas negociações. As adesões incluem o ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbatchov e de Bono Vox, vocalista do U2.
O Ministério das Relações Exteriores pretende publicar anúncios assinados por várias personalidades internacionais em jornais importantes nos Estados Unidos, da Europa e da Ásia, domicílios de emissão de 60% dos títulos em "default". O primeiro foi publicado ontem no "New York Times" e no "Financial Times".
O anúncio é uma espécie de abaixo-assinado com a adesão de artistas, políticos, economistas e Prêmios Nobel de várias partes do mundo, que defendem que os termos da renegociação da dívida argentina não colaborem para aumentar a pobreza no país.
Sob o título "Argentina: um país responsável, uma proposta responsável", 148 personalidades aderiram à campanha. No anúncio, há 26 personalidades. Além de Gorbatchov e de Bono, que lidera uma campanha internacional para o perdão da dívida dos países pobres, assinam, entre outros, o ex-premiê italiano Massimo D'Alema, a ex-presidente da Nicarágua Violeta Chamorro, a atriz inglesa Emma Thompson, o escrito Gabriel García Márquez, o enxadrista Anatoly Karpov e o sociólogo francês Alain Touraine.
O trabalho de busca de adesões do Ministério das Relações Exteriores argentino começou em março. O ex-presidente da África do Sul e Prêmio Nobel Nelson Mandela recusou o convite para assinar o abaixo-assinado, mas enviou uma carta em que diz apoiar os esforços de liderança da Argentina, mas por meio de suas próprias iniciativas.

Preço
De acordo com o "New York Times", um espaço como o comprado pela chancelaria argentina custa entre US$ 50 mil e US$ 70 mil. O anúncio ocupa mais da metade da parte inferior da página 10 do primeiro caderno (seção internacional). A chancelaria argentina não divulgou os custos.
Segundo o Ministério de Relações Exteriores da Argentina, os próximos anúncios serão publicados no "El País" (Espanha) e no "Telegraph", do Reino Unido.
O texto que antecede as assinaturas diz que "é necessário entender a realidade argentina e a dívida social do país para que se possa compreender a dificuldade enfrentada pelo governo na renegociação de sua dívida".
Está escrito ainda que o superávit fiscal praticado pelo país em 2003 foi de 3% do PIB, "superior aos 2,5% acertados com o FMI". "Qualquer aumento no esforço fiscal ignoraria a realidade social da Argentina: 50% da população vive abaixo da linha de pobreza e 15% está desempregada."
A conclusão é a seguinte: "A proposta sincera e realista da Argentina a seus credores deve ser entendida dentro desse contexto, levando em consideração a perspectiva histórica de um país em desenvolvimento e a realidade social de seus habitantes".

Negociações
O FMI está pressionando para que o governo argentino inicie uma nova rodada de negociações com os credores. O Fundo quer incluir no memorando da terceira revisão do acordo de US$ 14 bilhões assinado em setembro do ano passado que as negociações não foram encerradas.
O presidente Néstor Kirchner insiste em que a oferta apresentada no mês passado é a última e está dentro da capacidade de pagamento do país. A Argentina ofereceu um desconto de 75% sobre o valor nominal da dívida (de US$ 81,2 bilhões), mas aceita quitar parte dos juros, o que, dependendo da adesão dos credores, poderá totalizar pagamentos de mais de US$ 100 bilhões.
O Comitê Global, que reúne boa parte dos credores internacionais, reclamou e propôs que o desconto seja de 45%. O FMI espera mais flexibilidade da Argentina.
Além disso, o organismo de crédito quer a Argentina reveja os contratos com as empresas privatizadas, ou seja, promova um reajuste de tarifas públicas, a maior parte congelada desde quando o país abandonou o regime de câmbio fixo, em dezembro de 2001.
Em entrevista ao jornal "Financial Times", o diretor-gerente do FMI, Rodrigo Rato, disse que "é muito importante que a Argentina apresse as reformas estruturais, que é parte do acordo de três anos assinado em setembro".
O FMI terminou a terceira revisão do acordo há três semanas. A equipe deixou o país elogiando os resultados macroeconômicos. O país cumpriu em maio a meta de superávit fiscal fixada para todo o ano, mas o Fundo criticou a falta de reformas estruturais.
O último desembolso, de US$ 728 milhões, foi feito em março, depois da segunda revisão. Com o atraso na aprovação da terceira revisão, o governo teve que usar US$ 883 milhões das reservas internacionais para pagar a parcela de empréstimos com Fundo, de acordo com a agência de notícias Bloomberg.
O Ministério da Economia da Argentina já espera apenas para setembro o resultado da revisão, quando termina o recesso de verão do FMI.


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