São Paulo, sexta-feira, 30 de julho de 2004

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Espanha recomenda a latinos adaptação ao "rigor neoliberal"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SANTANDER

O ministro de Relações Exteriores da Espanha, Miguel Ángel Moratinos, dá um conselho aos países latino-americanos: "É preciso matizar o rigor neoliberal com programas de coesão social".
É uma guinada profunda em relação às posições do anterior governo espanhol, chefiado pelo conservador José María Aznar, ardente adepto do chamado Consenso de Washington, o receituário neoliberal.
Moratinos é ministro do socialista José Luis Rodríguez Zapatero, no cargo há apenas três meses e ainda tateando nas relações com a América Latina, por mais que elas sejam definidas como estratégicas para a Espanha, muito mais na retórica do que nos fatos.
Moratinos deu o seu conselho ao abrir seminário promovido pelo Grupo Santander sob o rótulo otimista de "Espanha-América Latina - O melhor está por vir".
O ministro até diz concordar com o slogan, mas sua avaliação não é exatamente otimista.
"Ainda vemos em muitos países [da América Latina] uma fragilidade democrática preocupante."
Depois, engatou conhecidos dados sobre pobreza e desigualdade na região, para aconselhar:
"O pior não são as cifras; o pior é que elas se registram depois que muitos desses países fizeram um esforço sério de ajuste, nas linhas do Consenso de Washington, e aplicaram extremo rigor neoliberal".
O novo discurso do governo espanhol parece ter contagiado suas grandes empresas. Mesmo depois que Moratinos havia deixado a sala, a questão social continuou freqüentando a retórica.
"Melhor distribuição de riqueza e mais coesão social são intrinsecamente benéficas para as empresas", disse José Maria Álvarez Paillete, presidente-executivo da "Telefónica Latino-Americana", com 100 milhões de clientes.

Argentina
O discurso mudou até em relação à Argentina, país cuja crise arrastou as empresas espanholas e provocou uma tormenta entre o presidente Néstor Kirchner e empresários espanhóis.
Agora, Álvarez Paillete lembra que a crise fez a Espanha perder o equivalente a 0,8% de seu PIB (pelos prejuízos provocados para suas empresas), que o colapso argentino foi duas vezes mais grave que o paradigma mundial de crises (a norte-americana de 1929), mas ainda assim emenda: "É preciso muita coragem para recuperar-se de uma crise assim, e o governo o está fazendo".
Já Francisco Luzón, responsável por América Latina em outro gigante espanhol, o grupo Santander, desmente o discurso catastrofista sobre as conseqüências que tem uma moratória. Diz que o Santander, embora vítima também da crise argentina, agora "lidera" o esforço pela recuperação.
"Somos os que mais crescimento tivemos na concessão de créditos", diz Luzón.
Todos repetem um mantra colocado por Luzón (Santander): "Não somos investidores estrangeiros; somos brasileiros no Brasil; somos argentinos na Argentina".
Se a retórica coincidir com a realidade, é até possível que o slogan do seminário ("o melhor está por vir") de fato se concretize.


O jornalista Clóvis Rossi viajou a Santander a convite do grupo Santander


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