São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2008

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Colapso de Doha muda política comercial

Negociadores em Genebra não conseguem superar impasse sobre um acordo de liberalização do comércio global

Chanceler brasileiro admite agora priorizar acordos bilaterais com outros países ou blocos para ampliar o comércio externo do país

Fabrice Coffrini/France Presse
O chanceler Celso Amorim, em entrevista coletiva após o colapso das negociações em Genebra

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

O esforço para tentar salvar sete anos de negociação da Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio) terminou ontem em lágrimas e cercado pelo sentimento de que uma chance histórica foi desperdiçada. Depois de uma maratona de nove dias, que somou mais de cem horas de intensas discussões, o processo entrou em colapso devido a um assunto considerado "menor", o mecanismo de proteção agrícola para países emergentes.
O colapso deve levar o Brasil e outros países a reverem suas políticas comerciais, com mais ênfase em acordos bilaterais limitados e aumento de demandas na própria OMC.
Embora ninguém admita a morte da Rodada Doha, o processo entra em período de incerteza, que aumenta com a sucessão presidencial americana. O chanceler Celso Amorim disse que o processo pode ficar pendente até 2013, admitindo que um acordo não sairá mais no governo Lula. E vê pouca chance de ser retomado do ponto em que pararam.
"Ouvi de várias pessoas que devemos preservar o que obtivemos. Concordo, mas não está no nosso poder. A vida continua, e nem sempre pelo bom caminho", disse. "Temos uma crise alimentar e teremos outras crises. Tendências protecionistas também vão voltar."
Visivelmente abatidos, alguns dos sete ministros que participaram do grupo formado para romper o impasse pareciam não acreditar que um projeto tão ambicioso tivesse desmoronado devido a uma questão pontual. A representante de Comércio dos EUA, Susan Schwab, estava perto do choro. Mariann Fischer Boel, comissária européia de Agricultura, derramou lágrimas.
"É muito triste", disse Fischer Boel à Folha, "porque os países mais pobres é que serão os maiores prejudicados."
Programadas para durar só até o último sábado, as discussões se prolongaram em tentativas incessantes dos sete ministros de solucionar o núcleo do acordo. O objetivo era manter um equilíbrio entre a redução das barreiras agrícolas dos países ricos e a abertura industrial nos emergentes.
Na reta final, o que emperrou o processo foi o Mecanismo de Salvaguarda Especial (SSM, na sigla em inglês), que se transformou numa queda-de-braço entre EUA e Índia. Numa amarga ironia, a negociação idealizada para liberalizar o comércio global foi derrubada por um mecanismo protecionista. "Qualquer observador de outro planeta não conseguiria acreditar que, depois de todos os progressos que realizamos, não conseguimos chegar a um acordo", disse Amorim.
Enquanto falava, o chanceler brasileiro era observado pelo ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, apontado por muitos como um dos responsáveis pelo fracasso das negociações devido à insistência em ter bases mais protecionistas no SSM. Uma fonte da OMC contou à Folha que Nath atravessou as negociações mantendo um discurso populista em defesa dos pobres de seu país.
Para esse negociador, Nath claramente tinha ordens para não ceder, observando que ele tem pretensões nas eleições da Índia previstas para 2009.
A intransigência indiana se chocou com a inflexibilidade americana. Nos últimos dias, dezenas de propostas foram formuladas pelo diretor-geral da OMC, o francês Pascal Lamy, e por outros países, como o Brasil. De um lado, os indianos, com o apoio chinês, não abriam mão de um nível alto de protecionismo. De outro, os americanos, pressionados pelo forte lobby agrícola, não cediam por temer o fechamento de mercados importantes na Ásia, sobretudo a China.
"Uma força irresistível se chocou com um obstáculo intransponível, e o resto é história", disse o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson. "Os americanos riscaram uma linha na areia e se recusaram a cruzá-la."
O Brasil, quarto exportador agrícola do mundo, era por princípio contra as salvaguardas que freiam as importações pelo mesmo motivo dos EUA, mas as acabou aceitando para salvar um acordo.
Decepcionado com o desfecho de sete anos da rodada lançada em 2001 para abrir mercados e estimular a prosperidade do mundo em desenvolvimento, o chanceler brasileiro usou uma metáfora do futebol para colocou em dúvida o formato escolhido em Genebra, que reduziu as discussões a sete países -Brasil, Índia, EUA, UE, Austrália, China e Japão.
"Se fosse o treinador, eu trocaria os jogadores para ver se um resultado era possível, porque é inacreditável que tenhamos fracassado por causa de uma questão."


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