São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2008

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Ainda o problema dos juros


As doses cavalares de juros consumiram trilhões de reais em oportunidades perdidas de criação de empregos

JÁ POSSO dizer que, em minha vida, vi a criação de uma divindade. O Banco Central foi alçado a semideus, por uma sociedade que mitifica suas capacidades e atribuições. Defendi a autonomia funcional do BC nos inflacionários anos 70 e 80, quando quase ninguém sabia o que era "banco central independente" e os que sabiam punham-se apaixonadamente contra. Mas a autonomia então defendida não era a absoluta supremacia de hoje.
A elevação dos juros em 0,75 ponto percentual, na última semana, tem essa conotação de marcar o espaço do mito da autoridade suprema. Antevimos a decisão, não por seus contornos técnicos, mas por seus aspectos "teológicos", pois a taxa brasileira já era, antes do aumento, a maior do mundo, descontada a projeção do núcleo da inflação.
Na teologia do BC, a estabilidade financeira do país está deixada apenas em suas mãos. Segundo a bíblia monetarística, quando as "expectativas inflacionárias" fogem à meta, só resta reprimi-las à força de juros.
É um mundo simples e previsível, mas empobrecedor do potencial brasileiro como nação "emergente".
Na sua coluna de sábado na Folha, Gustavo Franco bem resumiu que o desafio da profissão de economista é criar condições para termos no Brasil juros normais (grifo nosso). E dá sua dica ao concluir que a bactéria do juro alto é a mesma que produziu a hiperinflação brasileira, "só que menorzinha".
Nesse detalhe, discordamos. A bactéria dos juros parece menor, porém mais sutil e poderosa. O financiamento oneroso do déficit público, via dívida e juros altos, provoca uma associação de três elementos anticrescimento. Há o evidente prejuízo fiscal da maior carga de juros (R$ 10 bilhões a mais para cada ponto percentual). O contribuinte paga. Mas há também a perda financeira sobre todo o setor produtivo, que "assimila" o juro mais alto em suas decisões financeiras. E, finalmente, amplia-se a perda social, pelo adiamento de projetos, dos empregos e da geração de riqueza. O juro escorchante é, portanto, mais pernicioso que a inflação, quando estendido por longo tempo.
O "remédio" do BC, com suas doses cavalares de juros, por anos a fio, consumiu, literalmente, trilhões de reais em oportunidades perdidas de criação de empregos, num país em que, segundo caderno especial da Folha do último domingo ("Jovem Século 21"), nada menos que 42% dos jovens de 16 a 25 anos -nosso futuro- gostariam de sair do país em busca de melhores oportunidades. Esses rapazes e moças são os "filhos dos juros". Se o capital brasileiro emigra, então por que não os jovens?
Na raiz do desencanto, intuitivamente percebido pela nova geração, está uma taxa de criação de empregos claramente insuficiente. Erra, por ignorância, o americano Paul Krugman, quando vem aqui -como fez na semana passada- ao palpitar sobre a economia brasileira e afirmar que estamos "aquecidos demais", em clara dissociação da realidade local e do enorme desemprego entre nossos jovens.
Com a mídia que tem, Krugman deveria criticar nosso modelo de crescente gasto público e desmedido encargo financeiro, arcados, penosamente, pelos bovinos contribuintes, cuja seqüela são investimentos públicos e privados mantidos em nível medíocre. De fato, a inflação brasileira foi dominada, mas os juros ainda não são "normais". Esses juros são o estigma da falta de determinação nacional ao tratar a questão da acumulação de riqueza sem adequado planejamento estratégico das políticas econômicas de estabilização. Não espanta que nossos jovens pensem em cair fora.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br


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