São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A princesa do povo

Agitada e turbulenta, Diana combinava beleza, elegância e charme com alma, sensibilidade e compaixão

O LEITOR vai me perdoar, mas hoje tiro férias dos meus assuntos habituais para fazer uma homenagem à princesa Diana, que morreu há dez anos, no auge do seu brilho.
Nietzsche escreveu: "O velho Deus, todo "espírito", todo perfeição, vagueia por seu jardim; no entanto, ele se entedia. Contra o tédio, até mesmo os deuses lutam em vão. Que faz ele? Inventa o homem -o homem é divertido. Mas eis que o homem também se entedia. (...) Deus criou então outros animais. Primeiro erro de Deus: o homem não achou os animais divertidos -dominava-os, nem queria ser "animal". Conseqüentemente, Deus criou a mulher. E, de fato, o tédio chegou dessa maneira ao fim".
Agitada, turbulenta, Diana era o próprio antídoto contra o tédio. Ela combinava beleza, elegância e charme com alma, sensibilidade e compaixão. Foi estabelecendo aos poucos uma ligação emocional profunda com o povo britânico e de outros países. Já tentei homenageá-la nesta coluna há alguns anos, mas misturei a princesa com considerações sobre a política nacional (mistura indigesta!) e a homenagem se perdeu.
Boa parte da sua ação social era conduzida longe dos holofotes. Em Londres, Diana costumava visitar abrigos para viciados em drogas, prostitutas e outros. Numa noite gelada de inverno, em 1994, a princesa estava sendo esperada por 40 pessoas em um desses abrigos, como relataria depois da sua morte o assistente social encarregado de dirigi-lo.
Enquanto a aguardavam, um rapaz de 20 e poucos anos começou a fazer ameaças contra a princesa, chegando a dizer que ela e o resto da família real deveriam ser fuzilados.
Bem. De repente, entra a princesa.
Por ironia, a primeira pessoa em que ela põe os olhos é justamente o tal rapaz. Para alarme geral, ela caminha na sua direção. E pergunta: "Seu nome é Ricky, não é? Eu não lhe encontrei quando você estava dormindo na rua, no Strand, há algum tempo?". Emocionado, o rapaz conseguiu balbuciar: "É isso mesmo, estou tentando me refazer agora". Poucos meses antes de morrer, Diana voltou ao abrigo, trazendo os dois filhos para ajudar a preparar uma refeição para as pessoas que lá residiam.
Diana era amada pela população, mas não pela família real, como se sabe. Um ano antes da sua morte, a rainha Elizabeth 2ª retirou-lhe o direito de usar o título de "sua alteza real", causando consternação. "Não se incomode, mãe", disse William, então com 14 anos, "eu lhe devolverei o título quando for rei."
A morte da princesa provocou uma comoção na Inglaterra. Na missa de corpo presente, na abadia de Westminster, houve um instante que merece ser relembrado. A igreja estava lotada. Nas primeiras fileiras, a família real e as demais autoridades. Uma multidão acompanhava a missa do lado de fora, por alto-falantes. O irmão mais moço de Diana discursava em sua homenagem, com palavras inspiradas e comoventes. Em certo momento, ele disse:
"Diana era a própria essência da compaixão, do dever, do estilo, da beleza. (...) Ela tinha uma nobreza natural e no último ano provou que não precisava de nenhum título real para continuar a gerar a sua forma particular de mágica".
Silêncio nas primeiras fileiras. Mas o povo aglomerado do lado de fora respondeu com uma explosão apaixonada de aplausos. Apanhados pelos que estavam na parte de trás da igreja, os aplausos foram sendo repassados, percorreram a nave como uma onda, chegando até as filas da frente, para constrangimento da rainha.
A monarquia inglesa quase veio abaixo.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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