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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A princesa do povo
Agitada e turbulenta, Diana combinava beleza, elegância e charme com alma, sensibilidade e compaixão
O LEITOR vai me perdoar, mas
hoje tiro férias dos meus assuntos habituais para fazer
uma homenagem à princesa Diana,
que morreu há dez anos, no auge do
seu brilho.
Nietzsche escreveu: "O velho
Deus, todo "espírito", todo perfeição,
vagueia por seu jardim; no entanto,
ele se entedia. Contra o tédio, até
mesmo os deuses lutam em vão. Que
faz ele? Inventa o homem -o homem é divertido. Mas eis que o homem também se entedia. (...) Deus
criou então outros animais. Primeiro erro de Deus: o homem não achou
os animais divertidos -dominava-os, nem queria ser "animal". Conseqüentemente, Deus criou a mulher.
E, de fato, o tédio chegou dessa maneira ao fim".
Agitada, turbulenta, Diana era o
próprio antídoto contra o tédio. Ela
combinava beleza, elegância e charme com alma, sensibilidade e compaixão. Foi estabelecendo aos poucos uma ligação emocional profunda com o povo britânico e de outros
países. Já tentei homenageá-la nesta coluna há alguns anos, mas misturei a princesa com considerações sobre a política nacional (mistura indigesta!) e a homenagem se perdeu.
Boa parte da sua ação social era
conduzida longe dos holofotes. Em
Londres, Diana costumava visitar
abrigos para viciados em drogas,
prostitutas e outros. Numa noite gelada de inverno, em 1994, a princesa
estava sendo esperada por 40 pessoas em um desses abrigos, como relataria depois da sua morte o assistente social encarregado de dirigi-lo.
Enquanto a aguardavam, um rapaz
de 20 e poucos anos começou a fazer
ameaças contra a princesa, chegando a dizer que ela e o resto da família
real deveriam ser fuzilados.
Bem. De repente, entra a princesa.
Por ironia, a primeira pessoa em que
ela põe os olhos é justamente o tal
rapaz. Para alarme geral, ela caminha na sua direção. E pergunta: "Seu
nome é Ricky, não é? Eu não lhe encontrei quando você estava dormindo na rua, no Strand, há algum tempo?". Emocionado, o rapaz conseguiu balbuciar: "É isso mesmo, estou
tentando me refazer agora". Poucos
meses antes de morrer, Diana voltou ao abrigo, trazendo os dois filhos
para ajudar a preparar uma refeição
para as pessoas que lá residiam.
Diana era amada pela população,
mas não pela família real, como se
sabe. Um ano antes da sua morte, a
rainha Elizabeth 2ª retirou-lhe o direito de usar o título de "sua alteza
real", causando consternação. "Não
se incomode, mãe", disse William,
então com 14 anos, "eu lhe devolverei o título quando for rei."
A morte da princesa provocou
uma comoção na Inglaterra. Na missa de corpo presente, na abadia de
Westminster, houve um instante
que merece ser relembrado. A igreja
estava lotada. Nas primeiras fileiras,
a família real e as demais autoridades. Uma multidão acompanhava a
missa do lado de fora, por alto-falantes. O irmão mais moço de Diana
discursava em sua homenagem,
com palavras inspiradas e comoventes. Em certo momento, ele disse:
"Diana era a própria essência da
compaixão, do dever, do estilo, da
beleza. (...) Ela tinha uma nobreza
natural e no último ano provou que
não precisava de nenhum título real
para continuar a gerar a sua forma
particular de mágica".
Silêncio nas primeiras fileiras.
Mas o povo aglomerado do lado de
fora respondeu com uma explosão
apaixonada de aplausos. Apanhados
pelos que estavam na parte de trás
da igreja, os aplausos foram sendo
repassados, percorreram a nave como uma onda, chegando até as filas
da frente, para constrangimento da
rainha.
A monarquia inglesa quase veio
abaixo.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net
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