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ANÁLISE
Programa pode ser desastroso para as cidades
SÉRGIO MAGALHÃES
ESPECIAL PARA A FOLHA
O projeto Minha Casa, Minha Vida pode ser importante
como estímulo à economia; não
terá o mesmo relevo na questão
habitacional. Para as cidades,
poderá ser desastroso.
O investimento de R$ 35 bilhões é uma bela quantia. Aquece a economia. Com ele, o governo estima financiar um milhão de moradias. Um milhão,
em três anos, é expressivo; mas
não é tanto como parece, pois o
Brasil urbano produzirá 5 milhões de moradias nesse mesmo período.
A proporção é apenas a mesma das últimas décadas: entre
1940 e 2000 foram construídos
35 milhões de domicílios urbanos. Desse total, um quinto foi
financiado. Isto é, as famílias
brasileiras construíram nossas
cidades sem financiamento,
onde foi possível: nos loteamentos irregulares das periferias e nas favelas. Temos casa,
sim, precária que seja; mas a cidade é escassa: há um gigantesco deficit urbano em nossas
metrópoles.
Com o MCMV volta à cena o
antigo modelo dos conjuntos
residenciais, da casa descolada
da cidade. É o velho BNH (Banco Nacional da Habitação), um
só carimbo neste vasto país.
As notícias são de conjuntos
com milhares de unidades, valendo-se da artimanha de produzir condomínios independentes, justapostos. Onde? Lá
mesmo, onde a cidade se esvai,
ou onde nem sequer chegou:
em locais ermos, destituídos de
vida urbana.
Os novos conjuntos pressionarão por novos serviços públicos, novas linhas de ônibus, novas redes, novos equipamentos.
Servirão para ampliar o deficit
urbano, uma das matrizes da
violência armada.
Esses R$ 35 bilhões teriam
melhor rentabilidade social se,
com crédito habitacional, as famílias fossem as protagonistas
da decisão de onde e como morar, ao invés da decisão exclusiva ficar com governos e empreiteiros. Os recursos teriam
melhor resultado se aplicados
no combate ao déficit urbano,
no saneamento, no transporte
público.
No Rio, por exemplo, onde se
prevê investir R$ 4 bilhões: se
metade fosse aplicada na transformação dos trens suburbanos
em metrô, toda a cidade metropolitana se beneficiaria. Estariam melhor atendidos quase 8
milhões de habitantes, que hoje
sofrem em vans e ônibus, caros,
inseguros, desconfortáveis.
A outra metade dos recursos,
se aplicados por escolha das famílias, seriam melhor localizados, em moradias mais baratas,
produzidas por pequenos empresários da construção civil,
sem expansões do tecido urbano. Talvez isso estimulasse até
mais a economia, com recursos
mais bem distribuídos. Talvez o
tempo de produção até fosse
menor. Por certo, as cidades
agradeceriam.
SÉRGIO MAGALHÃES é arquiteto, professor do
Prourb e da FAU-UFRJ (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio
de Janeiro); www.cidadeinteira.blogspot.com
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