São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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Software de restaurante permite sonegar

Bares e restaurantes dizem que programa MisterChef abre brecha à sonegação; fabricante nega possibilidade e vê mau uso por comerciantes

Comerciantes relatam ter recebido até treinamento de revenda para driblar o fisco usando uma função criada para vendas com caixa dois

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos softwares mais usados em bares e restaurantes do Brasil é suspeito de ser utilizado para ocultar parte da receita e sonegar imposto.
Donos de bares e restaurantes de São Paulo relataram à Folha que o programa MisterChef permite aos comerciantes registrarem vendas de duas formas diferentes: uma na função chamada de on-line (que obriga emissão de nota fiscal) e outra na off-line (que permitiria esconder parte da receita).
O MisterChef é produzido pela Bematech, líder do setor de automação comercial no país. A empresa nega que o programa abra brechas para a sonegação e atribui possíveis irregularidades ao mau uso do software pelos comerciantes e à má orientação pelas revendas.
A Folha apurou com donos de estabelecimentos e revendedoras autorizadas do software que, no modo on-line, o comerciante registra o que quer declarar ao fisco -vendas com cartão e, quando o consumidor exige, a nota fiscal paulista (com CPF na nota). Neste caso, a nota fiscal é emitida pelo ECF (emissor de cupom fiscal), uma impressora fiscal lacrada. E os dados da venda ficam na memória do ECF.
As vendas pagas em dinheiro e cheque são registradas na função PED (processamento eletrônico de dados) -chamada de off-line. A impressora usada nesse caso não tem lacre nem memória e emite a nota fiscal comum. Por isso, abre brecha para a sonegação, afirmam os comerciantes.
A Secretaria da Fazenda paulista já investiga fraudes em softwares usados por bares e restaurantes. Até agora, já foram feitos 14 autos de infração, somando R$ 11,3 milhões.
Segundo o fisco, o comerciante paulista pode usar a função off-line -desde que esteja autorizado a trabalhar apenas com nota fiscal comum e envie regularmente essas informações ao fisco. "O que não se pode fazer é usar alternadamente as funções ECF e PED. Isso não é permitido. E pode significar o uso de caixa dois", diz Antônio Carlos de Moura Campos, diretor-adjunto da Diretoria Executiva da Administração Tributária da Fazenda paulista.

Bares e restaurantes
"Soubemos desse sistema que possibilita sonegar ICMS quando fomos a uma feira do setor de alimentação para comprar o MisterChef e equipamentos", diz B.G., dono de bar que comprou o software e aparelhos de uma revenda autorizada por cerca de R$ 12,5 mil.
"Outra empresa me ofereceu software e equipamentos, sem a possibilidade de sonegar, por R$ 24 mil. Optamos pelo menor preço." B.G. afirma ter recebido treinamento da revenda para driblar o fisco.
"Revendedoras e instaladoras desse software disseram que era possível esconder uma parte da venda na função PED, e não na função ECF", diz G.W., dono de um restaurante.
Funcionários de três revendedoras do software -Automação 2000, A Nacional e Personal Info, que constam no site do MisterChef-, confirmaram à Folha a possibilidade de ocultar vendas com o software.
Um funcionário da Automação, questionado sobre o que pode acontecer se o dono do bar for flagrado por fiscais, respondeu: "Pode até pedir ajuda para a gente [com o fiscal] para auxiliarmos em alguma coisa [sem detalhar o tipo de ajuda]. Mas não podemos ser responsabilizados [pela sonegação]".
"O que é pago com cartão de crédito ou de débito não tem jeito", disse um funcionário da A Nacional ao explicar que o faturamento pode ser ocultado.


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