São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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Slim diz que perdeu a conta do patrimônio e quer deixar legado

Empresário, que disputa com Bill Gates posto de homem mais rico do mundo, afirma não saber quantas empresas tem

Recentemente, o mexicano, proprietário das gigantes América Móvil e Telmex, começou a aumentar seus gastos com filantropia

ADAM THOMSON
DO "FINANCIAL TIMES", NA CIDADE DO MÉXICO

O céu escureceu e uma chuva de granizo arremessa pedras do tamanho de uvas enquanto Carlos Slim, 67, sentado a uma grande mesa de jantar em uma de suas casas em um bairro rico da Cidade do México, briga com seu celular. "Não sei como mexer com isso", diz ele.
Slim, que de acordo com algumas estimativas se tornou neste ano o homem mais rico do mundo -a "Forbes" ainda o mantém no segundo posto, mas deve colocá-lo no topo de sua próxima lista das pessoas mais endinheiradas-, atrapalhou-se porque tirou uma foto com o aparelho e está tentando enviá-la a outro celular.
Enquanto ele briga com o teclado, rapidamente se torna aparente que Slim, dono de um panteão de empresas que inclui companhias de telecomunicações espalhadas pelas Américas, não é nenhum Bill Gates.
O engenheiro de software de Seattle, a quem Slim está desalojando de sua posição no topo das listas de bilionários, fez sua fortuna ocupando posição de vanguarda em termos de conhecimento setorial. Slim, não: em uma entrevista coletiva de quatro horas realizada em março, ele ouviu atentamente a uma pergunta técnica de uma jornalista local, fez uma pausa e respondeu: ""Señorita", não faço idéia do que esteja dizendo".
Mas Slim, que se formou em engenharia e ensinou matemática na universidade depois da graduação, provou ser um homem de negócios formidável.
Comanda um império que se estende de bancos, seguros e supermercados a restaurantes, cigarros e cimento, além da Telmex e da América Móvil, as gigantes das telecomunicações. No Brasil, é dono da Claro e da Embratel.
A Telmex domina a telefonia fixa no México, respondendo por mais de 90% do mercado. É uma empresa que apresenta notável lucratividade: a cada ano, gera lucros brutos suficientes para cobrir o custo original de sua aquisição.
A despeito do controle sobre a telefonia fixa, o governo mexicano permitiu que ele entrasse no mercado de telefonia móvel, e ele cindiu a Telmex para criar a América Móvil. O número de assinantes da operadora vem crescendo 65% ao ano desde 2000, de acordo com Slim, e hoje ela atende a mais de 125 milhões de clientes.

O início
Boa parte desse crescimento surgiu da habilidade aparentemente infalível do empresário para localizar empresas subvalorizadas e mal geridas, adquiri-las e reverter sua situação. Mas seus detratores dizem que ele jamais se teria tornado o homem mais rico do mundo não fossem duas coisas.
A primeira foi a aquisição da Telmex, em 1990, como parte do programa mexicano de privatização. Os críticos dizem que a transação serviu para retardar por anos a chegada da concorrência ao mercado de telecomunicações. A segunda são os preços que ele consegue cobrar de seus usuários. Segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o México está entre os países-membros com tarifas mais elevadas.
Slim descarta as duas críticas. Em incontáveis ocasiões, ele mencionou a assinatura mensal de US$ 14 da Telmex como prova de que sua operação de telefonia fixa também é competitiva. Ele alega, igualmente, que o uso de celulares no México é mais barato do que em muitos outros países.
Para sublinhar o ponto, ele pede que um assistente traga lista recente com os preços de telecomunicações em todo o mundo. Ele apanha uma caneta e lê os números. "Está vendo? US$ 0,11 por minuto", diz. "Mais barato que a média latino-americana, européia e de todos os países desenvolvidos."
A apresentação dessa tabela é uma cena que ele aperfeiçoou ao longo dos anos. O problema é que está lendo uma coluna de números baseada em serviços por assinatura, que apenas uma pequena parte dos clientes de sua operadora usa. Os demais utilizam celulares pré-pagos -modelo que ele alega ter inventado-, em que o custo pode chegar a US$ 0,35 por minuto.
Embora os mexicanos continuem debatendo monopólios e preços e a Comissão Federal da Competição, uma agência do governo, mantenha na mira as empresas de Slim, não há dúvida de que o seu envolvimento no setor foi fundamental para que ele se tornasse um homem extremamente rico.
Controlando mais de 200 empresas (ele diz ter perdido a conta exata), seu império responde por mais de um terço do movimento da Bolsa mexicana.
De acordo com a "Forbes", para quem ele tem uma fortuna de US$ 53,1 bilhões, em 2006, o patrimônio líquido de Slim cresceu em US$ 19 bilhões, ou US$ 52 milhões ao dia.

Homem simples
No entanto, apesar de todo esse dinheiro, Slim é relativamente frugal. A casa em que está é grande, mas não poderia jamais ser descrita como mansão. Ele a usa como escritório alternativo; a outra casa que mantém na cidade é a mesma em que vive há 36 anos.
Entre duas estantes de livros (uma com volumes antigos; outra com livros contemporâneos), fica uma mesa pesada e antiga, em estilo de refeitório, sobre a qual repousam mais livros, uma floresta de fotos de família e um grupo de elefantes de madeira entalhada, com cerca de 20 centímetros de altura.
O gosto de Slim é essencialmente conservador. Ele é conhecido por não gastar com os iates e as casas de luxo que os demais bilionários mexicanos gostam de exibir. Na verdade, faz questão de não ter imóveis pessoais fora do México. "Para quê?", ele pergunta.
"Se eu tivesse uma casa em Nova York ou outro lugar como esse, teria de ter toda uma equipe para cuidar dela e só a usaria alguns dias por ano. Muito mais fácil ficar em um hotel."
Essa abordagem discreta quanto à vida chega bem perto da parcimônia. Ainda que fume charutos Cohiba, ele os acende com um isqueiro de plástico com propaganda da Telmex. O relógio que usa é um Victorinox. Insiste em que ser a pessoa mais rica do mundo não interessa muito. "Não se trata de um jogo de futebol."
Viúvo, Slim não parece ansioso quanto aos percalços de uma sucessão. Já entregou o comando das principais empresas aos filhos e diz que está confiante em que seu império manterá o rumo mesmo depois que se afaste completamente.
Não que ele admita planos de fazê-lo. "É como ser pintor", diz. "Os artistas não deixam de fazer o que fazem somente porque pintaram uma bela paisagem. Continuam até morrer."
Mas parece preocupado com a perspectiva da velhice. O sexagenário fala constantemente sobre a juventude daqueles que o cercam e, em diversas ocasiões durante a entrevista, fez pausas para enxugar lágrimas em seu olho direito.

Filantropia
A preocupação parece estar conduzindo Slim a uma nova fase em sua vida, dominada pela nostalgia e pelo crescente temor de não deixar um legado suficientemente importante.
Recentemente, decidiu elevar suas contribuições aos fundos de caridade de suas empresas de US$ 4 bilhões a US$ 10 bilhões, nos próximos quatro anos. "O que o México precisa é de capital humano e físico", diz, para designar educação e saúde. "Pretendemos começar com as mulheres, logo que engravidam. Desejamos uma população com melhor saúde e melhor preparação."
Por anos, os mexicanos vêm se queixando de que Slim não faz muito para ajudar. Por que ele não começou suas empreitadas filantrópicas mais cedo?
"Estava ocupado demais trabalhando", afirma. "Agora chegou a hora de fazer diferença..."


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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