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ARTIGO
Reservas elevadas reduzirão impacto
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
COLUNISTA DA FOLHA
Inesperadamente, a Câmara
norte-americana rejeitou a
proposta de resgate dos bancos
após líderes partidários terem
concordado com um projeto
que, mesmo bastante diferente
do esboçado pelo secretário do
Tesouro, mantinha o desenho
básico de adquirir dos bancos
US$ 700 bilhões de papéis lastreados em hipotecas. Não haverá, portanto, até segunda ordem, o resgate dos bancos, que
terão de carregar no seus balanços esses títulos, cujo valor
permanece uma incógnita.
Isso representa duro golpe
para o setor bancário. Se há dúvidas sobre o valor desses papéis, sem a troca deles por títulos públicos essa desconfiança
apenas aumentará, levando a
uma queda adicional do seu valor de mercado. O problema,
porém, é que essa queda se manifestará de forma desproporcional sobre o crédito e o crescimento.
Com efeito, cada dólar de redução de valor de mercado desses papéis implica um dólar a
menos de capital do sistema
bancário, com duas possíveis
conseqüências. A menos grave,
mas praticamente certa na ausência do programa de resgate,
seria a redução significativa do
volume de crédito. Como bancos tipicamente têm um volume de empréstimos equivalente a um múltiplo do seu capital,
esse mesmo dólar de capital a
menos vira um valor bem
maior em termos de redução do
crédito, reduzindo a demanda
doméstica norte-americana.
A mais grave, ainda que menos provável, seria o aprofundamento da onda de quebras de
instituições financeiras. De fato, a depender do montante de
perda de valor dos papéis lastreados em hipotecas, as perdas
do banco podem superar o seu
capital, o que configura um
problema de insolvência. Dada
a profunda integração entre
bancos, falamos da possibilidade de uma crise de grandes proporções, com efeitos ainda
mais severos e duradouros sobre o nível de atividade.
De qualquer forma, portanto,
vivemos a iminência de uma
forte queda adicional do crescimento americano, cujas conseqüências não podem ser ignoradas. Especificamente no caso
brasileiro, se é verdade que
apenas pouco mais de 2% do
PIB estão diretamente expostos (via exportações) à economia americana, há outros canais pelos quais o país pode sofrer impactos negativos.
O primeiro viria pela queda
no preço de commodities na esteira da desaceleração mundial.
A elevação no preço desses
bens implicou aumento no preço dos bens exportados pelo
Brasil relativamente àqueles
que importamos. Isso tem permitido aumentar as importações mais do que poderíamos
em circunstâncias normais, e,
portanto, possibilita que a demanda doméstica cresça bem à
frente do PIB. Sem, porém, o
auxílio das commodities, isso
não poderia ser mantido, implicando significativa depreciação
do real combinada com aperto
monetário para trazer o crescimento da demanda doméstica
a níveis inferiores aos do crescimento do PIB.
Por outro lado, é difícil imaginar que uma forte redução do
crescimento mundial não resulte também em redução do
fluxo de capitais para as economias emergentes, Brasil entre
elas, levando à depreciação adicional do câmbio e à necessidade de conter ainda mais a demanda.
Isso dito, se as conseqüências
da crise serão negativas, é também importante notar que o
Brasil dispõe, hoje, de instrumentos que permitem, ao menos, mitigar esses efeitos. Destaco em particular o volume de
reservas que, à taxa de câmbio
atual, reduziria a relação dívida-PIB em 2,5%. Em outras palavras, a solvência do país, ao
contrário de outros episódios,
não será questionada, fator que
deve impor limites aos efeitos
da crise sobre o Brasil.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Santander, doutor em Economia pela Universidade
da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
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