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ARTIGO
Agora, risco maior é de depressão global
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
COLUNISTA DA FOLHA
O Congresso norte-americano rejeitou o pacote de estabilização dos mercados que havia
sido proposto pelo Tesouro dos
Estados Unidos. Essa decisão
-que, espero, seja reconsiderada- atesta a supremacia do
preconceito e da baboseira
ideológica sobre a crítica realista e bem informada.
A peculiaridade das economias contemporâneas -onde a
finança direta e securitizada é
predominante- é a alta sensibilidade dos preços dos ativos
às flutuações da liquidez. Os
mecanismos de transmissão
são rápidos, variados e muito
poderosos.
Em primeiro lugar, a desregulamentação e a liberalização
facilitaram o surgimento de
bancos-sombra na formação de
posições longas nos mercados
de capitais, financiadas com recursos capturados nos mercados monetários. Isso permitiu
os atuais níveis de alavancagem
dos "dealers" e "brokers", bem
como dos fundos de hedge e outros intermediários.
Quando os agentes foram
surpreendidos por movimentos adversos dos preços e suas
perdas os obrigaram a liquidar
posições para cobertura de
margem, tanto o risco de mercado como o risco de liquidez se
ampliaram rapidamente.
A queda muito abrupta e profunda dos preços afugenta os financiadores desses ativos, inviabilizando seus mercados. Na
ausência de um socorro tempestivo do emprestador de última instância, a propagação do
pânico pode levar à ruptura do
sistema de pagamentos e à corrida bancária.
O "Financial Times" informa
que o republicano Gresham
Barret, da Carolina do Sul, disse: "Meu temor é o governo
mudar para sempre a América
do livre mercado. Votarei contra o pacote [proposto pelo Tesouro] porque acredito intensamente nos princípios do livre
mercado e na liberdade".
Barret não sabe, mas suas
crenças ajudaram a conduzir a
economia norte-americana (e
seus desdobramentos globais)
em direção à crise financeira
que ora a aflige e ao resto do
mundo.
Os praticantes das formidáveis inovações destrutivas
-"os gatos gordos de Wall
Street"- não teriam prosperado em suas ousadias se à retaguarda não estivessem de prontidão os fanáticos do livre mercado. O fervor livre-mercadista, ademais, encontrou alento
nas teorias dos sacerdotes dos
mercados eficientes, os economistas acadêmicos (e outros
nem tanto) incumbidos de dar
respeitabilidade científica a hipóteses improváveis.
Em minha modesta opinião,
a aprovação do pacote de socorro -pela proposta do Tesouro,
US$ 700 bilhões seriam usados
para a compra de títulos de má
qualidade de instituições financeiras norte-americanas-,
tal como havia sido acertado no
final de semana entre as lideranças dos dois principais partidos políticos, não teria força
para reverter a curto prazo a
quase paralisia dos mercados
monetários.
Os "spreads" entre as taxas
cobradas no interbancário e os
títulos do Tesouro alcançam
níveis assustadores. Nessas
condições, a aprovação do pacote de socorro tampouco seria
eficaz para desobstruir imediatamente os canais do crédito,
bloqueados pela desconfiança e
pelo medo.
Ainda assim, um mínimo de
sensatez recomendaria aprovar o pacote de estabilização,
com suas deficiências e limitações. Os devaneios ideológicos
que negaram sua aprovação podem levar a economia global
não mais à recessão, já contratada, mas à beira de uma depressão, com as funestas conseqüências para os que estão na
base da pirâmide social.
Então, será tarde para descobrir que não se trata de punir os
culpados, mas de poupar os
inocentes.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria
Especial de Assuntos Econômicos do Ministério
da Fazenda (governo Sarney) e secretário de
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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