São Paulo, quarta-feira, 30 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

O governo Lula e a tecnologia

Durante a campanha presidencial, Lula foi enfático em pelo menos um ponto contemporâneo essencial: a importância de a empresa brasileira conseguir agregar valor aos seus produtos. Por trás desse conceito estão presentes a questão da inovação e da tecnologia e a necessidade da definição de novas políticas industriais.
Dois pontos merecem reflexão e questionamento. Primeiro, a idéia de que política industrial significa definir práticas de proteção às grandes empresas nacionais. O segmento a ser trabalhado é fundamentalmente o da pequena e média empresa, criando uma cultura de inovação. E o programa do PT definiu claramente essa prioridade.
O segundo tema é a idéia de que se irá conseguir produzir inovação amarrando toda política científico-tecnológica à universidade. O programa de ciência e tecnologia do PT -pelo menos o de campanha- comete uma mixórdia visceral desses conceitos, conferindo à universidade o controle sobre os processos de ciência e tecnologia no país.
No início dos anos 70, o Brasil investia o mesmo que a Coréia do Sul em ciência e tecnologia. O investimento coreano resultou na LG, Samsung e Hyundai.
De 1971 a 1980, o Brasil aplicou US$ 300 milhões anuais. De 1970 a 1976, aplicava anualmente mais do que a Coréia do Sul. O que rendeu? Quase nada. Apenas maquiadoras, enquanto pesquisa e desenvolvimento sérios eram realizados por estatais, como Petrobras, Embrapa, Embraer, e empresas privadas, como Romi e Wega, todas fora do circuito oficial da ciência e tecnologia.
Quando criou seu programa de ciência e tecnologia, a Coréia do Sul o colocou claramente fora do controle da universidade. Criou uma cidade tecnológica, Daejong, depois um instituto voltado inteiramente para a promoção da inovação no setor privado, incumbido de preparar as empresas para ganhar autonomia de pesquisa.
Em uma década, a participação privada nos investimentos em tecnologia saltou de 12% para 70% do total de US$ 12 bilhões aplicados. O investimento na universidade ficou de 12% a 15% para ciência. No início da implantação do modelo, participavam do processo apenas 50 grandes empresas. Hoje em dia, são 8.600 empresas, das quais 7.800 são pequenas e médias.
O ponto central é que no Brasil nunca se diferenciou ciência de tecnologia, avalia o físico Roberto Nicolsky, principal especialista brasileiro da atualidade no tema inovação. São dois bichos distintos, embolados no mesmo arranjo pelo fato de se pensar que são os mesmos pesquisadores que fazem ciência e desenvolvimento, quando não são.
O objetivo da universidade é formar recursos humanos e, nesse processo, desenvolver novas concepções e idéias, frutos da própria curiosidade dos pesquisadores e do próprio mecanismo de auto-estimulação. Tecnologia é algo muito objetivo: atendimento da demanda real de usuários e consumidores, em relação a produtos, serviços e processos. Seu lócus é o setor de produção, o que se faz na indústria.
O objetivo maior de políticas públicas deveria ser criar a cultura inovadora -o que se fará, como em todos os países, criando mecanismos de financiamento e estímulo às empresas inovadoras.
Nos EUA existe um órgão para tratar de ciência. Depois, cada ministério desenvolve tecnologia para seu setor. No Japão, tecnologia está sob a batuta do MIT, o poderoso Ministério do Desenvolvimento local. Mas cada ministério responde pelo desenvolvimento tecnológico em sua área.
A partir dessas análises, Nicolsky sugere um novo arranjo para o setor. Poder-se-ia juntar a Capes ao CNPq (dois institutos que financiam ciência), criando o Ministério de Educação e Ciência. Já a Finep e os fundos verde-amarelos ficariam debaixo do Ministério do Desenvolvimento, que seria transformado no MIT japonês. Não haveria razão para manter o atual Ministério de Ciência e Tecnologia.
Hoje em dia as principais instituições de pesquisa já estão alocadas em outros ministérios: a Fiocruz na Saúde; a Embrapa na Agricultura; o CTA (Centro Tecnológico da Aeronáutica) na Defesa.

E-mail - LNassif@uol.com.br


Texto Anterior: Impostos: Sai tabela do IPVA para 2003 em SP
Próximo Texto: Bancos: Lucro do Banespa aumenta 404% e vai a R$ 2,323 bi
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.