São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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LUÍS NASSIF

Habemos Estado!

A operação Chacal, deflagrada pela Polícia Federal para investigar os "grampos" supostamente praticados pela Kroll, pode vir a se constituir em um marco na história institucional moderna do país. Principalmente ao quebrar o tabu da impunidade que pairava sobre os grupos rentistas que se desenvolveram nos anos 90, por meio do mais ostensivo de seus representantes, o Opportunity.
Caberá à Polícia Federal levantar as provas, e à Justiça, condenar quem tiver que ser condenado, absolver quem tiver que ser absolvido. Não é questão de pré-julgamento.
O importante é a quebra do paradigma da impunidade. Pela primeira vez, em muitos e muitos anos, o Estado brasileiro investe sobre uma área que pairava acima do bem e do mal.
Está-se investigando um grampo, mas o ponto central é mais amplo. A subordinação a esse poder não se deu apenas no campo da política econômica. Deu-se também no campo legal, com o Estado nacional fechando os olhos a práticas proibidas pelas próprias leis nacionais, como a entrada de capital externo cujos titulares eram residentes no país.
Os teóricos mercadistas sempre se esmeraram em buscar pretextos para justificar juros altos. Criaram a "teoria da jabuticaba", a "incerteza jurisdicional" e outros conceitos vazios com nomes pomposos.
Ora, a "incerteza jurisdicional" surge no momento em que as leis não são seguidas. As normas do Banco Central proibiam que capitais de residentes no país ingressassem por meio das contas de não-residentes.
Quando se descobriu que o CVC Opportunity, montado em um paraíso fiscal, controlador da terceira maior companhia de telecomunicações do país, tinha entre seus cotistas investidores residentes do país, estava claramente tipificada uma ilegalidade.
Nada foi feito, nem pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) nem pelo Banco Central. O Estado brasileiro fechou os olhos, se curvou de forma humilhante ao Opportunity e, acima dele, ao Citigroup -cujo poder está sendo questionado por países que possuem Estados soberanos.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) se comportou de maneira dúbia, ao postergar continuamente as investigações. Quando se descobriu que o então presidente do órgão, Luiz Cantidiano, não apenas tinha participado como advogado da montagem da estrutura societária do CVC como tinha sido diretor de uma das holdings, o que se viu foram episódios vergonhosos de jantares de solidariedades oferecidos por advogados cariocas e discursos de solidariedade pronunciados por autoridades nacionais.
No dia do julgamento do Opportunity, impossibilitado de absolver o grupo, o substituto de Cantidiano, Marcelo Trindade, minimizou o caso, ao alegar que a prática era corriqueira no mercado.
Um homem de Estado lamentando a injustiça contra um infrator, porque a infração -a quem competia a ele coibir- era uma prática corriqueira.
Precisou um poder de fora do mercado -a Polícia Federal- para que o Estado nacional, finalmente, começasse a impor o império da lei aos intocáveis.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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