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ARTIGO
EUA devem se lembrar de emergentes
GEORGE SOROS
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
O sistema financeiro mundial, na forma pela qual está
constituído agora, se caracteriza por uma perniciosa assimetria. As autoridades dos países
desenvolvidos estão no comando e farão o que for necessário
para impedir que o sistema entre em colapso. Mas o destino
dos países periféricos as preocupa menos. O sistema oferece
menos estabilidade e menos
proteção a esses países do que
aos países centrais.
Essa assimetria, encapsulada
no direito de veto dos Estados
Unidos no FMI (Fundo Monetário Internacional), explica
por que os americanos conseguiram acumular um déficit em
conta corrente cada vez mais
elevado no último quarto de século. O chamado Consenso de
Washington impôs forte disciplina de mercado a outros países, mas os norte-americanos
ficaram isentos dela.
A crise dos mercados emergentes em 1997 devastou países
periféricos como Indonésia,
Brasil, Coréia do Sul e Rússia,
mas deixou os Estados Unidos
ilesos. Subseqüentemente,
muitos dos países periféricos
adotaram políticas macroeconômicas sólidas e uma vez mais
passaram a atrair grandes influxos de capital, o que lhes valeu crescimento econômico
acelerado nos últimos anos.
Então surgiu a crise financeira, que se originou nos Estados
Unidos. Até recentemente, países periféricos, como o Brasil,
haviam passado em larga medida intocados e até se beneficiado do boom de commodities.
Mas, depois da quebra do
Lehman Brothers, o sistema financeiro sofreu uma parada
cardíaca temporária e as autoridades dos Estados Unidos e
da Europa tiveram de recorrer
a medidas desesperadas.
Elas decidiram que não deveriam permitir a quebra de qualquer outra instituição financeira de grande porte e também
instauraram garantias de depósitos contra possíveis perdas.
Isso resultou em conseqüências adversas inesperadas para
os países periféricos, e suas autoridades foram apanhadas de
surpresa.
Nos últimos dias, houve fuga
generalizada rumo à segurança,
da periferia para o centro. As
moedas locais caíram frente ao
dólar e ao iene. As taxas de juros e os ágios nas operações de
"credit default swap" dispararam, e as Bolsas despencaram.
Os pedidos de cobertura de
margem proliferaram e se espalharam aos mercados de
ações dos Estados Unidos e da
Europa, gerando o espectro de
um pânico renovado.
O FMI discute a criação de
novas linhas de crédito para os
países periféricos, em contraste com as linhas condicionais
de crédito que não vêm sendo
usadas porque as condições
que comportam são por demais
onerosas. Essas novas linhas de
crédito não envolveriam precondições ou estigmas, para os
países que estejam seguindo
políticas macroeconômicas sólidas. Além disso, o FMI se declarou pronto a conceder crédito condicional a países menos
qualificados. Islândia e Ucrânia
já assinaram pacotes, e a próxima da fila é a Hungria.
A abordagem é a correta, mas
pode ser insuficiente, e talvez
esteja chegando tarde demais.
O máximo que essas linhas de
crédito permitiriam em termos
de saque seria cinco vezes o valor da cota do país.
No caso do Brasil, isso equivaleria a US$ 15 bilhões, um valor ínfimo comparado às reservas cambiais brasileiras superiores a US$ 200 bilhões. Um
pacote muito maior e mais flexível é necessário, para reassegurar os mercados. Os bancos
centrais dos países do centro
deveriam criar grandes linhas
para "swaps" com os bancos
centrais dos países periféricos
qualificados, e os países dotados de fortes reservas cambiais,
como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, China e Japão, deveriam estabelecer um
fundo suplementar de desembolso mais flexível. Também há
necessidade urgente de mais
crédito de curto e de longo prazo para permitir que os países
com posições fiscais sólidas
pratiquem políticas keynesianas de investimento público
anticíclico.
Apenas o estímulo à demanda interna permitirá eliminar o
espectro de uma depressão
mundial.
Infelizmente, as autoridades
mundiais estão sempre correndo atrás dos acontecimentos. É
por isso que a crise financeira
está escapando ao controle.
Ela já envolveu os países do
Golfo Pérsico, e Arábia Saudita
e Abu Dhabi talvez estejam
preocupados demais com sua
região para que se disponham a
contribuir na formação de um
fundo mundial. É hora de começar a pensar sobre a criação
de direitos especiais de saque
ou outra forma de reserva internacional em larga escala,
mas isso fica sujeito ao veto dos
Estados Unidos.
O presidente George W.
Bush convocou uma conferência de cúpula do Grupo dos 20
em 15 de novembro, mas realizar uma reunião como essa seria irrelevante a não ser que os
Estados Unidos estejam sendo
sérios quanto a apoiar um esforço mundial de resgate.
Os norte-americanos precisam dar o exemplo na proteção
aos países periféricos contra
uma tempestade que se originou em sua economia, se não
desejam abrir mão de sua posição de liderança.
Mesmo que Bush não concorde com esse ponto de vista,
devemos esperar que o próximo presidente o faça.
GEORGE SOROS é presidente do conselho da
Soros Fund Management.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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