São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Aperto fiscal supera meta com o FMI


Setor público economiza R$ 66 bi (4,32% do PIB) em 2003; acordo previa superávit de R$ 65 bi (4,25%)

Gasto com juros (R$ 145,2 bi) é recorde; superávit não paga nem metade dos encargos da dívida do país



NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o setor público conseguiu economizar mais que o necessário para cumprir as metas acertadas com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Mas o esforço fiscal em 2003 não foi suficiente para pagar nem a metade dos juros que incidiram sobre sua dívida.
União, Estados, municípios e estatais obtiveram um superávit primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros) de R$ 66,173 bilhões no ano passado, segundo dados do Banco Central, o que representa 4,32% do PIB (Produto Interno Bruto, total de riquezas produzidas pelo país).
Pelo acordo com o FMI, a economia deveria ser de, no mínimo, R$ 65 bilhões (4,25% do PIB). Essa meta, aliás, foi modificada pelo próprio governo. O acerto inicial era uma economia de gastos equivalente a 3,75% do PIB.
Ao modificar a meta, um dos argumentos do governo foi que isso ajudaria a reduzir a proporção da dívida pública em relação ao PIB.
Os encargos da dívida pública, por sua vez, somaram R$ 145,210 bilhões -ante R$ 114 bilhões em 2002. Em reais, os gastos com juros no ano passado foram os maiores desde que o BC começou a calcular essa estatística pela atual metodologia, em 1991.
As despesas equivalem a 9,49% do PIB estimado para o período. Essa proporção é a mais elevada desde 1994.
O mesmo ocorre com o superávit primário de 2003: em reais, é o maior desde 1991; quando comparado com o PIB, é o maior desde 1994.
O país registrou em 2003 um déficit nominal (incluindo gastos com juros) de R$ 79,037 bilhões, o que equivale a 5,16% do PIB.
O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, diz que o aumento nas despesas com encargos da dívida reflete a alta dos juros básicos da economia ocorrida desde o final de 2002. A taxa Selic corrige aproximadamente metade dos títulos emitidos pelo governo federal que circulam no mercado.
Entre outubro e dezembro de 2002, a Selic subiu de 18% ao ano para 25%. Logo no início de 2003, foi elevada para 26,5% ao ano, patamar que se manteve até o início do segundo semestre.
O aumento dos juros foi uma ferramenta utilizada pelo governo para conter a inflação, que estava em aceleração no final de 2002 e no início de 2003. Mas estancou a produção do país e provocou desemprego.

"Situação pior"
Para Lopes, porém, o fato de o esforço fiscal não ter sido suficiente para pagar os juros da dívida não deve ser entendido como um fato negativo. "Se não fosse o resultado, seguramente estaríamos numa situação muito pior."
O superávit primário é obtido pelo setor público por meio de aumento na arrecadação de impostos ou com cortes de despesas. O dinheiro economizado em 2003 equivale a mais que o dobro dos R$ 29,4 bilhões gastos no período pelo Ministério da Saúde, que possui um dos maiores orçamentos do governo federal.
Também corresponde a 81 programas Fome Zero, que teve orçamento de R$ 1,8 bilhão em 2003.
O ajuste fiscal do ano passado fez com que muitos ministérios não pudessem gastar toda a verba prevista no Orçamento. Dos R$ 11,2 bilhões que o Ministério dos Transportes poderia gastar, por exemplo, R$ 4,6 bilhões foram utilizados. A diferença serviu para elevar o superávit primário.
Desde o primeiro acordo com o FMI, em 1998, o superávit primário anual tem ficado sempre acima da meta.
Em dezembro, Lula chegou a dizer: "Em nenhum momento, nenhum governador, prefeito, deputado ou qualquer ser vivo desta terra verá sobrar um centavo em caixa se não houver um impedimento legal para sobrar, porque eu continuo dizendo que gerar emprego deve não só minha obsessão, acho que deve ser a obsessão de cada um de nós".
Em 2004, o setor público deverá acumular um superávit primário de R$ 71,5 bilhões -4,25% do PIB-, segundo o acordo com o FMI. Apesar do resultado positivo de 2003, o setor público teve um déficit primário de R$ 4,121 bilhões em dezembro. "Isso ficou dentro da sazonalidade do período, principalmente por causa dos maiores dispêndios do INSS", afirma Lopes.


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