São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Correções

BENJAMIN STEINBRUCH

Exatamente 20 anos atrás, o Brasil viveu uma de suas mais importantes experiências no campo da economia, ao mesmo tempo enriquecedora e traumática. Em 28 de fevereiro de 1986, encurralado por uma inflação que havia atingido 255% no ano anterior, o governo lançou o Plano Cruzado.
O Cruzado foi essencialmente um programa que congelou preços e salários por um ano. Durante os primeiros meses, o plano foi um sucesso. De uma hora para outra, como os preços pararam de aumentar e como os salários haviam recebido um abono de 8%, a população viu sua renda crescer e entregou-se ao consumo.
A euforia era contagiante. Além da estabilidade de preços e do abono, os trabalhadores ganharam o que se chamou de "gatilho salarial": toda vez que a inflação atingisse 20%, haveria um aumento automático dos salários.
O presidente José Sarney conquistou popularidade nunca antes vista na história da República -apoio de 97% da população. A oposição desapareceu. Poucos tiveram coragem de alertar para os riscos que o país corria.
No segundo semestre de 1986, o congelamento de preços já era insustentável, por conta do desabastecimento geral de gêneros de primeira necessidade e dos ágios cobrados em relação aos preços tabelados. Mesmo assim, foi mantido até as eleições de 15 de novembro daquele ano, quando o governo obteve uma histórica vitória nas urnas. Elegeu 22 dos 23 dos governadores, 260 deputados federais e 44 senadores.
A euforia, porém, estava com os dias contados. Uma semana depois das eleições, veio o Plano Cruzado 2, com o descongelamento de preços e a liberação dos reajustes dos aluguéis. A energia elétrica subiu 120%, a gasolina, 60%, os cigarros e as bebidas, 100%, e os automóveis, 80%.
Esses reajustes acabaram com a lua-de-mel do governo com a população. A euforia e o ufanismo deram lugar a revoltas, depredações e xingamentos. O consumo caiu, a economia entrou em estagnação, veio a moratória da dívida externa de 1987, outros planos foram lançados sem sucesso e o governo Sarney chegou a seu último ano, em 1989, com uma inflação de quase 2.000%.
A estabilização forçada de preços feita pelo Plano Cruzado era necessária. Havia, naquela época, um importante componente inercial na inflação, cultivado pela institucionalização da correção monetária em todos os setores da economia. Mas essa não era a única causa do aumento desenfreado de preços. A crítica mais recorrente ao Cruzado refere-se ao descontrole dos gastos públicos pela autoridade econômica daquela época. Se o programa de congelamento tivesse sido acompanhado de um rigoroso controle fiscal, como alguns críticos sugeriam na época, poderia ter tido mais sucesso.
O Plano Cruzado está fazendo 20 anos. No quadro atual da economia brasileira, seria útil que os economistas e as pessoas que viveram o dia-a-dia daquela experiência pudessem aproveitar a data para rememorar erros e acertos do plano traumático.
Esse exercício de memória seria proveitoso para os dias atuais porque o Cruzado foi uma experiência em que, por conta de um comportamento radical na área econômica, o país perdeu oportunidades de crescimento e desenvolvimento.
Hoje desfrutamos da estabilidade de preços, uma conquista preciosa. Mas não estamos imunes ao comportamento radical. Guardadas as proporções, esse comportamento tem se revelado claramente na condução da atual política monetária. Oportunidades seguidas vêm sendo perdidas com a teimosa manutenção dos juros reais nos níveis mais altos do mundo. Essa aberração impede o crescimento da economia, valoriza o real além da conta e ameaça, no médio prazo, tanto as conquistas na área das contas externas quanto na da estabilidade de preços.
Uma clara lição do Cruzado, passados 20 anos, é que não se pode deixar para depois correções que precisam ser feitas agora. Teimosias e radicalismos, heterodoxos ou ortodoxos, mais cedo ou mais tarde, acabam de forma traumática.


Benjamin Steinbruch, 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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