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OPINIÃO ECONÔMICA
Correções
BENJAMIN STEINBRUCH
Exatamente 20 anos atrás,
o Brasil viveu uma de suas
mais importantes experiências no
campo da economia, ao mesmo
tempo enriquecedora e traumática. Em 28 de fevereiro de 1986, encurralado por uma inflação que
havia atingido 255% no ano anterior, o governo lançou o Plano
Cruzado.
O Cruzado foi essencialmente
um programa que congelou preços e salários por um ano. Durante os primeiros meses, o plano foi
um sucesso. De uma hora para
outra, como os preços pararam de
aumentar e como os salários haviam recebido um abono de 8%, a
população viu sua renda crescer e
entregou-se ao consumo.
A euforia era contagiante. Além
da estabilidade de preços e do
abono, os trabalhadores ganharam o que se chamou de "gatilho
salarial": toda vez que a inflação
atingisse 20%, haveria um aumento automático dos salários.
O presidente José Sarney conquistou popularidade nunca antes vista na história da República
-apoio de 97% da população. A
oposição desapareceu. Poucos tiveram coragem de alertar para os
riscos que o país corria.
No segundo semestre de 1986, o
congelamento de preços já era insustentável, por conta do desabastecimento geral de gêneros de
primeira necessidade e dos ágios
cobrados em relação aos preços
tabelados. Mesmo assim, foi
mantido até as eleições de 15 de
novembro daquele ano, quando o
governo obteve uma histórica vitória nas urnas. Elegeu 22 dos 23
dos governadores, 260 deputados
federais e 44 senadores.
A euforia, porém, estava com os
dias contados. Uma semana depois das eleições, veio o Plano
Cruzado 2, com o descongelamento de preços e a liberação dos
reajustes dos aluguéis. A energia
elétrica subiu 120%, a gasolina,
60%, os cigarros e as bebidas,
100%, e os automóveis, 80%.
Esses reajustes acabaram com a
lua-de-mel do governo com a população. A euforia e o ufanismo
deram lugar a revoltas, depredações e xingamentos. O consumo
caiu, a economia entrou em estagnação, veio a moratória da dívida externa de 1987, outros planos foram lançados sem sucesso e
o governo Sarney chegou a seu último ano, em 1989, com uma inflação de quase 2.000%.
A estabilização forçada de preços feita pelo Plano Cruzado era
necessária. Havia, naquela época,
um importante componente inercial na inflação, cultivado pela
institucionalização da correção
monetária em todos os setores da
economia. Mas essa não era a
única causa do aumento desenfreado de preços. A crítica mais
recorrente ao Cruzado refere-se
ao descontrole dos gastos públicos
pela autoridade econômica daquela época. Se o programa de
congelamento tivesse sido acompanhado de um rigoroso controle
fiscal, como alguns críticos sugeriam na época, poderia ter tido
mais sucesso.
O Plano Cruzado está fazendo
20 anos. No quadro atual da economia brasileira, seria útil que os
economistas e as pessoas que viveram o dia-a-dia daquela experiência pudessem aproveitar a
data para rememorar erros e
acertos do plano traumático.
Esse exercício de memória seria
proveitoso para os dias atuais
porque o Cruzado foi uma experiência em que, por conta de um
comportamento radical na área
econômica, o país perdeu oportunidades de crescimento e desenvolvimento.
Hoje desfrutamos da estabilidade de preços, uma conquista preciosa. Mas não estamos imunes
ao comportamento radical.
Guardadas as proporções, esse
comportamento tem se revelado
claramente na condução da atual
política monetária. Oportunidades seguidas vêm sendo perdidas
com a teimosa manutenção dos
juros reais nos níveis mais altos
do mundo. Essa aberração impede o crescimento da economia,
valoriza o real além da conta e
ameaça, no médio prazo, tanto as
conquistas na área das contas externas quanto na da estabilidade
de preços.
Uma clara lição do Cruzado,
passados 20 anos, é que não se pode deixar para depois correções
que precisam ser feitas agora. Teimosias e radicalismos, heterodoxos ou ortodoxos, mais cedo ou
mais tarde, acabam de forma
traumática.
Benjamin Steinbruch, 52, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho
de administração da empresa e primeiro
vice-presidente da Fiesp (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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