São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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Bem-vindo aos anos 50

Frederic Lewis - 1º.jan.1930/Getty Images
Vista do Empire State Building em Nova York em 1930, quando a renda per capita dos americanos já era superior à brasileira de hoje

MARIANA BARBOSA
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL

POR SUA dimensão geográfica, constituição demográfica e histórico de ocupação de fronteiras, o Brasil e seu destino econômico foram, no último século, frequentemente comparados ao dos Estados Unidos.
Em 1946, o geógrafo Preston James projetou que os brasileiros, "ainda que propensos a colher os frutos sem querer plantar a árvore", tinham o mesmo espírito aventureiro que permitiu aos americanos consolidarem-se em uma potência.
Alguns anos depois, em 1953, ao voltar de uma viagem à América Latina, o ex-secretário de Estado americano Dean Acheson (gestão de Harry Truman) descreveu o Brasil como uma nação, como os EUA, "repleta de possibilidades de desenvolvimento".
Analisadas sob a luz da atualidade, previsões como as de Preston James e de Acheson, feitas meio século atrás, mostram uma curiosa conclusão: sob várias comparações estatísticas, o Brasil e seu mercado interno são, hoje, o que os EUA eram nas décadas de 40 e 50 -justamente a data de fabricação dessas profecias.
É o que mostra um estudo feito pela consultoria americana Bain & Company (veja a tabela na página ao lado).
Sem nenhum objetivo científico, a comparação foi feita para situar, em alguns setores, o estágio de evolução do Brasil ao do país mais rico do mundo, evidenciando áreas subexploradas e o potencial de desenvolvimento do mercado interno.
Tome-se o exemplo da aviação: com praticamente 1 passageiro embarcado a cada 4 habitantes, a aviação brasileira hoje se compara à norte-americana na década de 50. Com um agravante. Nos EUA dos anos 50, período marcado pela forte expansão da classe média, a infraestrutura era mais abrangente, com grandes aeroportos espalhados pelo país.
Outro exemplo: o Brasil é hoje o sexto maior produtor de veículos, mas, em termos de penetração de mercado por habitante, lembra os Estados Unidos da década de 40.
Mais um: no Brasil, a presença de rádios em domicílios brasileiros (87,9%%) equivale à nos Estados Unidos na década de 40; já a de aparelhos de televisão (96,4%), à década de 70 -o americano médio tem hoje três aparelhos de TV em casa.
"Usamos esse estudo para estimar o potencial de crescimento em vários segmentos, mas sobretudo na aviação", diz André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company.
De uma maneira geral, o levantamento sugere que, se o Brasil prolongar o atual índice de crescimento com aumento de renda, em especial para a base da pirâmide, o país poderá passar, nos próximos 20 anos, pelo mesmo período de progresso que os Estados Unidos tiveram nas décadas de 50, 60 e 70, até a crise do petróleo.
"A comparação é interessante, mas suas conclusões devem ser inseridas no contexto histórico", disse à Folha Márcio Pochmann, presidente do Ipea.
"O estudo nos compara a um país que tem um PIB dez vezes maior que o nosso e que se industrializou na primeira metade do século 19. Nossa industrialização ocorreu quase 80 anos depois", afirma.
Os americanos, de fato, começaram antes e chegaram muito mais longe.
Os EUA têm hoje um PIB total de mais de US$ 13 trilhões e renda per capita de US$ 43.562. Já o Produto Interno Bruto brasileiro é de pouco mais de US$ 1 trilhão, e o PIB per capita brasileiro é de US$ 5.640, equivalente ao americano da década de 30, quando Franklin Roosevelt era presidente e os Estados Unidos do entreguerras viviam sob o espírito redentor do New Deal.
Ainda que grande parte dessa lacuna deva-se justamente ao atraso de industrialização em relação às grandes economias, a que se refere Pochmann, nem tudo é explicado pela modernização tardia do país. Em alguns indicadores, o Brasil não só começou a avançar tarde como também se estagnou (caso do PIB per capita nos anos 80) ou até retroagiu.
Em 2006, por exemplo, somente 136 cidades brasileiras tinham ofertas de voos regulares -206 a menos do que em 1948-, quando 342 localidades contavam com linhas oficiais.
Algo semelhante ocorreu com a evolução do PIB per capita. Em um estudo recente, um dos mais festejados gestores de recursos privados do Brasil, Luís Stuhlberger, da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG), escreveu: "Chama a atenção a queda da relação do nosso PIB per capita em relação ao PIB per capita americano. No período recente, essa relação caiu de 0,183 para 0,175, sendo que chegou a ser 0,217 em 1980. Note que os demais países da tabela [China, Japão, Coreia, Taiwan, Hong Kong e Cingapura] conseguiram manter a melhora do PIB per capita em relação ao americano".


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