São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 1999

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CENÁRIOS
Previsão era que moeda perderia de 6% a 12% diante do dólar em 99
Maxidesvalorização do real surpreende consultores

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local


O colapso do regime cambial brasileiro com a fracassada tentativa de desvalorização controlada do real em 8,26% no dia 13 de janeiro e a adoção do câmbio livre em 18 de janeiro pegaram de surpresa nove em cada dez analistas financeiros.
A maioria dos boletins econômicos de consultorias independentes, de bancos de investimento e de associações de economistas encaminhada a clientes e à imprensa entre 30 de novembro e 5 de janeiro estimava que a desvalorização ficaria entre 6% e 12% em 1999.
Mas, enquanto o país acordava ainda inebriado das comemorações do réveillon, no dia 1º de janeiro o ex-presidente Itamar Franco, um dos "pais do Real", assumia o governo de Minas Gerais, fazendo, no discurso de posse, críticas duras ao governo federal.
O "efeito samba" fez os mercados dançarem ao som dos pregões nervosos quando, no dia 5 deste mês, Itamar Franco anunciou a moratória da dívida mineira para com a União por 90 dias.
Hoje, quando o real amarga uma desvalorização de cerca de 60% de 1º a 29 de janeiro, analistas e consultores econômicos explicam por que traçaram cenários mais amenos para a cotação do real na virada do ano.
Odair Abate, do Lloyds Bank, estimou a desvalorização do real em relação ao dólar entre 7,2% e 8,2%, no cenário A, com probabilidade de 70% a 80%, e entre 30% e 35% no cenário B, com uma probabilidade de 20% a 30%.
"A derrota da contribuição previdenciária dos inativos em dezembro, a redução da queda diária dos juros e a moratória mineira afetaram a credibilidade da política econômica, desviando o cenário macroeconômico da nossa rota A", diz Abate.
Mas, se reconhece que a sequência de eventos dos primeiros dias de janeiro "realmente foi uma surpresa", Abate reserva críticas aos arautos da desvalorização como panacéia para a economia do país.
"Nem os mais ardentes defensores da liberdade cambial previram uma desvalorização de 60% neste mês", observa.
Roger Hipskind, vice-presidente do conselho de negócios da Câmara Americana de Comércio, de São Paulo, afirmou na seção "Inside Brazil", da revista "Update", da própria Câmara, que uma maxidesvalorização do real em 1999 era uma hipótese "improvável".
"O país estava indo bem. Acordo fechado com o FMI. O presidente Fernando Henrique Cardoso arrancando o ajuste fiscal do Congresso. Mas quem esperava a ação desastrada do governador Itamar Franco?"
Para Hipskind, dois eventos que "nada tinham a ver" com os fundamentos macroeconômicos do país -a atitude política de Itamar e o choque de personalidades dentro do governo- determinaram a derrocada da âncora cambial.
Neil Dougall, economista-chefe do banco de investimentos Dresdner Kleinwort Benson, de Londres, previu, no fim de dezembro, que o dólar valeria R$ 1,32 em 31 de dezembro deste ano, com uma taxa média de R$ 1,26 em 1999. Hoje, reviu as projeções para R$ 2 e R$ 1,82, respectivamente.
"Em termos da média anual, a nova estimativa significa um mergulho do real de 57% neste ano."
Para Dougall, o "overshooting" (aumento exagerado da cotação) não é uma grande surpresa. "É uma reação típica de mercado em países forçados a abandonar a âncora cambial com uma consequente perda de credibilidade."
"Mas, no caso do Brasil, isso aumentar o risco de a inflação chegar à marca de 20% ao ano. Esse é o ponto no qual as pressões para a volta da indexação podem se tornar irresistíveis."
Marcos de Calli, economista do banco CCF Brasil, que projetou uma desvalorização cambial de 8% para 1999, diz que, na verdade, todos os economistas trabalham com mais de um cenário: "Esse era o nosso cenário básico, mas, no nosso cenário pessimista, esperávamos esse desfecho. O que nos surpreendeu foi a rapidez dos acontecimentos".
Segundo Calli, o que explica as previsões modestas de desvalorização cambial nos boletins econômicos que circularam nas semanas que antecederam a derrocada da âncora cambial brasileira foi a "torcida" dos grandes bancos e instituições financeiras pelo sucesso do Plano Real.
"Todos estavam torcendo para que o governo conseguisse levar o Real até um ponto em que a transição para um outro regime cambial pudesse ser feita sem traumas."
Mas, diz, o "evento Itamar" precipitou uma mudança que o governo não estava planejando para ocorrer neste mês: "O Itamar abriu a boca, e o mercado internacional de capitais fechou os cofres para o Brasil de vez."



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