UOL


São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Por uma verdadeira reforma tributária

CARLOS EDUARDO CADOCA Após a ressaca do Carnaval, o brasileiro deve voltar as atenções para um assunto polêmico, politicamente difícil de "costurar", que mexe com a rotina econômica do país e a vida de todo cidadão: a reforma tributária. O tema é de interesse geral e não poderia ser diferente. O sistema tributário atual, com sua parafernália de regras esdrúxulas, além de não conseguir acompanhar as transformações do mundo globalizado, inibe a atuação dos agentes produtivos e deixa a classe média mais pobre.
O imposto nosso de cada dia é um vilão discreto. Está presente em cada gesto de consumo e, embora passe quase sem ser notado perante os olhos do consumidor comum, chega à mesa do brasileiro com um peso inimaginável. Embutido em todos os preços, provoca impactos na indústria e faz estragos no orçamento doméstico. Restringe o poder aquisitivo dos trabalhadores e atrasa o desenvolvimento nacional.
Nos últimos anos, a carga tributária brasileira vem se caracterizando por elevações ininterruptas. Em 1989, representava 21,9% do PIB, e, em 2002, segundo dados do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), chegou a 36,45% da produção nacional. Isso significa que um terço de tudo o que foi produzido pela sociedade no ano passado foi apropriado pelo poder público.
Não é a maior taxa do mundo. A Suécia se aproxima dos 50% e a Alemanha também está à frente do Brasil. Entretanto essas nações registram uma renda per capita anual acima de US$ 20 mil, contra menos de US$ 3.000 por aqui. Além disso, vale lembrar que aqueles países oferecem serviços públicos compatíveis com os dispêndios do contribuinte.
No caso do Brasil, são publicamente sabidas as condições dos serviços prestados pelo Estado, o que leva a concluir que os recursos que poderiam ser utilizados na produção, para a geração de renda e emprego e para a melhoria dos serviços prestados pelo Estado são dirigidos para o cumprimento de metas fiscais dos entes federados. Nos últimos anos, a prática danosa de aumentar receitas a qualquer custo para cobrir os déficits orçamentários, em detrimento da produção, vem sendo adotada rotineiramente pelo poder público.
Realizar uma profunda reforma no sistema tributário nacional e corrigir suas graves distorções são aspirações antigas da sociedade brasileira, que, neste momento, analisa com ansiedade o retorno do tema aos principais jornais do país, reabrindo as discussões sobre o modelo tributário a ser adotado.
Entretanto, mesmo com a urgência do tema, o debate sobre a reforma tributária novamente se perde em propostas que não atendem os interesses da sociedade. Perde-se tempo discutindo o fim da cumulatividade do PIS e da Cofins -e sua transformação em Imposto sobre Valor Agregado- e a elevação da alíquota do Imposto de Renda. Propõem-se tributos que serviriam de estímulo à prática da sonegação, justamente a principal anomalia da economia brasileira que a reforma tributária deveria combater.
Em vez de serem discutidas sistemáticas que vão piorar o atual sistema, o governo e o Congresso deveriam prestar atenção a uma proposta que tramita na Câmara dos Deputados há quase dois anos e que está pronta para ser votada. Refiro-me à PEC (proposta de emenda à constituição) nš 474/01, de autoria do ex-deputado Marcos Cintra.
Visando implantar o Imposto Único Federal (IUF) no país, a proposta foi debatida à exaustão por uma Comissão Especial destinada a apreciá-la e teve seu parecer, o qual tive a honra de relatar, aprovado por unanimidade pelos seus integrantes. No momento, a proposta aguarda ser apreciada pelo plenário da Câmara dos Deputados.
O IUF eliminaria 11 tributos federais (Imposto de Renda da pessoa física e jurídica, IPI, Cofins, CPMF, CSLL, IOF, entre outros) e incidiria sobre as movimentações financeiras, semelhante ao CPMF. Com uma alíquota de 1,7% no crédito e no débito, totalizando 3,4%, o IUF preservaria o atual nível de arrecadação, sem prejuízos aos cofres públicos. Eliminam-se, assim, não só os tributos, mas um sistema complexo, ineficiente, injusto e incentivador da sonegação.
Ressalta-se que o projeto altera apenas as fontes de arrecadação. As transferências financeiras para os Estados, municípios e Previdência Social continuarão existindo. Estados e municípios ingressariam, ou não, após avaliação dos resultados obtidos pela União e por consulta pública. Essa transição gradual visa implantar um novo sistema tributário seguro e confiável.
O IUF significaria a simplificação do sistema de impostos e a distribuição da carga tributária com maior justiça social, aliviando a excessiva incidência sobre os assalariados e sobre as empresas organizadas.
A Secretaria da Receita Federal manifestou-se tempos atrás comparando os impostos sobre valor agregado e os incidentes sobre a movimentação financeira. Diz a Receita Federal: "Analisando um pouco mais de perto a realidade tributária do país, é questionável se um imposto sobre o valor agregado, com multiplicidade de alíquotas, legislação complexa, alto custo de administração e cumprimento, base erodida por diversas isenções e benefícios fiscais, impõe realmente menor custo à eficiência econômica do país do que um tributo do tipo CPMF, com base ampla, baixa alíquota e custo praticamente nulo de administração e cumprimento".
Os números falam por si mesmos: com uma alíquota de 0,38% e incidindo somente no débito, a CPMF arrecadou, em 2002, mais de R$ 20 bilhões. Por ser um tributo de baixa sonegação, o IUF ampliaria a base tributária atual, elevando o número de contribuintes, e promoveria a desoneração do setor produtivo e a formalização de milhares de empresas que se encontram na ilegalidade. É mais do que uma proposta, é a reforma desejada por todos os brasileiros.
Em recente pesquisa, o Instituto Datafolha comprovou a aceitação da proposta no brasileiros. Entre os 40% da população que conhecem o projeto, 70% aprovam a idéia.
As nossas autoridades devem entender que a sociedade não pretende se isentar da obrigação de pagar tributos, mas exige um sistema que respeite a capacidade contributiva do cidadão e que o Estado ofereça serviços públicos de qualidade. Princípios esses plenamente atendidos pelo Imposto Único Federal.


Carlos Eduardo Cadoca, deputado federal (PMDB-PE), é relator da PEC do Imposto Único Federal na Câmara dos Deputados e ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco.
E-mail - dep.carloseduardocadoca@camara.gov.br


Texto Anterior: Painel S.A.
Próximo Texto: Dicas/ Folha Invest - Ações: Corretora participante sugere troca de papéis da Copel pelos da Gerdau
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.