São Paulo, quarta-feira, 31 de março de 2010

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ANÁLISE

O fim do "benchmark"

PASCHOAL PAIONE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há quatro décadas o preço do minério de ferro é definido por "benchmark": as três grandes mineradoras globais (BHP, Rio Tinto e Vale) negociavam com as siderúrgicas japonesas e europeias o preço anual. Tal sistema deve ruir em 2010, com as mineradoras migrando para um modelo com reajustes trimestrais baseado em índice.
O minério de ferro é uma das principais matérias-primas na fabricação do aço. Assim, sua demanda depende da demanda siderúrgica. Antes do surgimento da China como grande potência, o consumo de aço era determinado pelos países desenvolvidos. O mercado era equilibrado, e os novos projetos de mineração apenas saíam do papel com demanda garantida pelas siderúrgicas.
A situação mudou com o surgimento da China como grande potência. Por ser uma economia enorme e com grande utilização de aço por unidade de PIB, o crescimento chinês resultou em desequilíbrio nos mercados. O desenvolvimento de novos projetos de minério de ferro se tornou muito mais desafiador. Não havia mão de obra especializada ou equipamentos disponíveis, e os novos projetos se encontravam em localidades com risco político.
Tais fatores contribuíram para a alta dos preços e crescimento da volatilidade, tornando as negociações anuais mais difíceis. Tais acontecimentos impactaram o mercado de fretes. A maior parte das siderúrgicas japonesas e europeias possui contratos de longo prazo de fretes, fazendo com que a negociação ocorresse em base FOB.
Como a maior parte das siderúrgicas chinesas não detém tais contratos, o crescimento chinês resultou em explosão dos fretes. Assim, a negociação de preços FOB passou a incomodar as siderúrgicas chinesas. Com isso, as mineradoras australianas passaram a brigar por um sistema de preços CIF, já que o frete Brasil-China é o dobro do frete Austrália-China.
Anteriormente, havia um acordo tácito em que o diferencial de fretes era compensado pela maior qualidade do minério brasileiro. Mas em 2008 as australianas conseguiram melhor preço que a Vale. Esse foi o fim do "benchmark".
Visando impor o prêmio de qualidade, a Vale desenvolveu uma área de fretes e forneceu a opção de preços FOB ou CIF.
Conjuntamente, a baixa visibilidade e a explosão do preço "spot" dificultaram a estipulação de um preço anual. Com isto, as mineradoras migraram para um sistema de preços trimestral, baseado em índice parametrizado pelo "spot". O sistema prevê preços mais elevados de acordo com a qualidade do minério (conforme desejava a Vale) e considera o diferencial de fretes (como queriam as australianas).
O novo mecanismo favorece as mineradoras em mercados altistas, em que a colocação de volumes é fácil, e os preços, elevados. Mas pode ser prejudicial quando as condições deteriorarem. A volatilidade do preço dos produtos finais também aumentará. Os impactos na Vale no curto prazo serão positivos, pois a demanda está aquecida, os preços, elevados, e porque a gigante brasileira possui frete suficiente a preços competitivos (adquiridos durante a crise). No longo prazo, a ampliação de Carajás (com minério de excelente qualidade) contribuirá para o aumento do preço médio, mas a manutenção do portfólio de fretes competitivos será essencial para a competitividade da Vale frente às australianas.

PASCHOAL PAIONE é sócio da Quest Investimentos e analista de commodities



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