São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2008

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ENTREVISTA: FABIO BARBOSA

Crédito cresce de maneira ordenada no país

Para presidente da Febraban, pressão salarial pode dificultar freada da inflação

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) e do Santander no Brasil, Fabio Barbosa, 53, afirma que os bancos brasileiros estão preparados para trabalhar com volumes crescentes de empréstimos e juros decrescentes.
O que é necessário, a seu ver, é melhorar o sistema de informação sobre as pessoas para os bancos terem mais segurança ao concederem empréstimos.
Por isso, considera importante a aprovação do cadastro positivo de crédito (informações compartilhadas sobre bons pagadores) pelo Congresso. "Os bancos teriam mais possibilidades de ampliar a inserção social das camadas que ainda não estão consumindo ou tomando dinheiro emprestado", diz.
Sobre a redução recente dos índices de inflação, Barbosa afirma que esse fato é extremamente positivo, mas ele acha que é cedo para apostar todas as fichas nessa queda. O grande problema, segundo ele, será a pressão dos salários.

 

FOLHA - A crise global vai afetar o Brasil?
FABIO BARBOSA
- Sempre acaba afetando um pouco, mas acho que o grande determinante será a economia chinesa. Ela tem um peso muito grande na economia mundial e continua crescendo num ritmo forte. Há 30 anos que a economia cresce a uma média de 10% ao ano e há 29 anos nós dizemos que esse ritmo de expansão não é sustentável. Muita gente acha que a China vive muito das exportações para os EUA, o que não se comprova pelos números. A China vai produzir, neste ano, por volta de 8 milhões de automóveis e não exporta carros para os mercados americano e europeu. É só mercado interno. Nós temos dificuldades em compreender a extensão do mercado interno chinês. A desaceleração que se fala da China é que o crescimento vai cair de 11,9%, que foi a expansão em 2007, para 9,5%, neste ano. Ou seja, na média dos 10%.

FOLHA - Não é uma contradição o Banco Central continuar subindo os juros se a inflação está em queda?
BARBOSA
- Olha, esse é um assunto delicado. A inflação está mostrando sinais de desaceleração, o que é muito bom. Estamos vivendo agora uma época de reajustes salariais e é importante que eles não contaminem a economia e dificultem esse processo de desaceleração de preços. Por isso, é positivo o fato de o governo estar atento e segurar um pouco a economia, para que não haja repasse de custos para os preços finais.

FOLHA - Mas a alta dos juros não pode frear o crescimento?
BARBOSA
- Não corremos o risco de vôo de galinha. O governo está atento a isso, até porque o BC agiu de forma firme, na hora em que precisou agir. As contas públicas estão sendo gerenciadas já há bastante tempo de forma responsável. Esse risco não existe. O preço da previsibilidade é a eterna vigilância.

FOLHA - Os números da economia do Brasil são bastante positivos, mas os juros no país ainda são incompatíveis para um país que quer fazer parte do Primeiro Mundo. Por que juros tão altos?
BARBOSA
- Já vi vários estudos de pessoas que se dedicaram ao assunto muito mais do que eu e não foram capazes de explicar por que a economia brasileira só se equilibra numa taxa de juros mais elevada de que as dos demais países. O fato é que, quando a taxa começa a cair e atinge patamares internacionais, a economia tende a ficar muito aquecida, em descompasso com a sua capacidade de produção, e, nessa hora, os juros voltam a subir. Mas, ainda assim, os juros hoje estão muito mais baixos do que que já estiveram no passado. Trabalhar com juro real de um dígito é uma grande novidade para o Brasil. Estamos na direção certa, mas ainda precisamos mais para que possamos manter o ritmo de crescimento da economia acima de 5%.

FOLHA - Os bancos estão preparados para uma queda dos juros?
BARBOSA
- Essa pergunta já vem sendo feita desde a época do Plano Real. Na época do Plano Real, algumas instituições tiveram dificuldade, mas a resposta para essa pergunta é que os bancos estão preparados para trabalhar com volumes crescentes de empréstimos e taxas de juros decrescentes. O que é necessário, na medida em que você trabalha com juros mais baixos, na medida em que você vai atingindo outras camadas da população, é que as instituições tenham um sistema de informação melhor, e é por isso que eu insisto na importância de instrumentos como o cadastro positivo. Daria para os bancos oferecerem ainda mais possibilidades de promover a inserção social dessas camadas que ainda não estão consumindo ou tomando dinheiro emprestado.

FOLHA - Mas os bancos ainda ganham muito com os juros?
BARBOSA
- Os bancos estão cada vez mais ampliando suas carteiras de crédito para compensar a queda nas aplicações em títulos públicos. E é esse crescimento do crédito que tem viabilizado essa expansão da economia, além de também estar aumentando a rentabilidade dos bancos. A instituição está cumprindo o seu papel. O banco existe para três razões. Para proteger e rentabilizar a poupança das pessoas; para financiar o consumo e o investimento; e para prestar os serviços de pagamentos e recebimentos da sociedade. E os bancos estão fazendo isso.

FOLHA - A rentabilidade dos bancos brasileiros foi duas vezes maior do que a dos americanos neste ano. Só a crise financeira explica essa diferença?
BARBOSA
- Os bancos americanos, assim como muitos da Europa, vêm apresentando problemas desde meados do ano passado. São problemas sérios e felizmente o sistema bancário brasileiro não está passando por isso. A rentabilidade maior dos bancos brasileiros é, portanto, uma boa notícia. Não deveria merecer preocupação. Na medida em que os bancos têm problema de rentabilidade, até de perda, eles começam a reconsiderar um pouco seus planos de expansão dos empréstimos. Emprestam menos. Ao emprestarem menos, isso condiciona um crescimento menor da economia. Esse é o primeiro preço que a sociedade paga. O banco tem menos apetite para crédito e isso segura o crescimento econômico. Isso já está acontecendo nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. O efeito multiplicador de uma crise bancária é muito maior do que o efeito multiplicador de uma crise provocada por um setor industrial ou qualquer outra atividade de serviço. É por isso que, em muitos casos, o governo tem que socorrer algumas instituições financeiras, como ocorreu recentemente no Reino Unido. Quer dizer, acaba se usando dinheiro público para isso. É por isso que deveríamos buscar sempre as condições para que o sistema financeiro continue forte. Sistema financeiro fraco implica um problema para o crescimento da economia.

FOLHA - O sr. vê com preocupação esse crescimento do crédito no Brasil ao ritmo de 30%?
BARBOSA
- Não. O crédito vem crescendo de maneira ordenada, em cima de operações de crédito consignado, que acho que foi a modalidade que mais se expandiu, e de financiamento de veículos, que são feitos a prazos compatíveis de 36, 48 meses. As operações de veículos que são feitas com prazo acima disso são pouquíssimas, não são representativas. O crédito imobiliário também está se expandindo, após a melhora do arcabouço jurídico. Eu não vejo preocupação maior. O que acho necessário é a aprovação do cadastro positivo pelo Congresso. O que é cadastro positivo? Cadastro positivo é um projeto que vem sendo trabalhado para permitir que o sistema financeiro tenha melhores informações sobre o cliente para poder tomar decisões melhores sobre os empréstimos.


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