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LUÍS NASSIF
Estão voltando as flores
A primeira vez que ouvi "Estão
voltando as flores" ao vivo foi em
um barzinho de Santos, o Chão
de Estrelas, em 1971. Antes, ouvira algumas vezes na voz potente
de Helena de Lima. Miltinho,
cantor ainda em voga, ia se apresentar. Antes dele, subiu ao palco
um senhor, creio que se apresentou como sogro e empresário, e
cantou a música: "Vê, estão voltando as flores / Vê, nesta manhã
tão linda / Vê, como é bonita a vida / Vê, há esperança ainda".
Confesso que fui meio inconveniente, pedindo dois bis. Afinal, o
show era do Miltinho.
No final, fui perguntar da música. Tão bonita quanto ela, era sua
história. O autor tinha ficado
muito doente, dado como desenganado, e uma manhã o médico
chegou em sua cama, no hospital,
e anunciou que a doença fora
vencida.
O autor era Paulo Soledade,
que por duas vezes anunciei,
aqui, vontade de conhecer. Por
meio da extraordinária "Enciclopédia da Música Brasileira", do
Publifolha -que ganhei na semana passada, depois de relacionar uma série de autores que desconhecia-, fico sabendo mais de
Soledade.
Paulo Gurgel Valente do Amaral Soledade nasceu em 1919, há
80 anos, portanto, em Paranaguá, Paraná, mas desde logo tornou-se membro da escola mais
galante dos cariocas honorários.
Com cerca de 20 anos fez teatro
com Ziembinsky. Depois, entrou
na Força Aérea e ajudou a fundar
o famosíssimo Clube dos Cafajestes, além de compor seu hino.
Em 1942 foi para os Estados
Unidos, fez curso em aviões de caça e voltou -pasme!- como tenente da Força Aérea americana.
Trocou por uma carreira de comandante na aviação civil, que
abandonou sete anos depois, por
problemas de saúde. Foi homem
da noite, montando a famosa casa Zum Zum, que abrigou os primeiros ícones da bossa-nova no
início dos anos 60.
Seu repertório é pequeno, porém estupendo. "Estão voltando
as flores" é de 1961. Em 1952, com
Marino Pinto, compôs "Estrela do
mar", sucesso fulminante de Dalva de Oliveira ("Um pequenino
grão de areia / Que era um pobre
sonhador / Olhando o céu viu
uma estrela / E imaginou coisas
de amor"). Em 1954, com Vinícius
de Morais, compôs "Poema dos
olhos da amada", tão espessamente romântico que parecia até
Tom Jobim daqueles anos ("Ó
minha amada / Que olhos são
seus / São cais noturnos / Cheios
de adeus"). Em 1956 compôs "São
Francisco", também com Vinícius, que viria a se popularizar no
início dos anos 80. Em 1949, com
Fernando Lobo, compôs "Zum
Zum" ("Ô zum zum zum zum
zum / Está faltando um"), em homenagem a um companheiro da
Aeronáutica que morrera.
Pois o velho Soledade, que meu
amigo Pelão tinha me prometido
apresentar quando fôssemos ao
Rio, morreu na semana passada.
Mas para os da minha geração,
brasileiros de profissão esperança, até o final dos nossos dias os
oito versos do "Estão voltando as
flores" continuarão sendo o símbolo máximo de um povo que pode perder batalhas, mas não perde a fé: "Vê, as nuvens vão passando / Vê, um novo céu se abrindo / Vê, o sol iluminando / Por onde nós vamos indo".
Enciclopédia
A "Enciclopédia da Música
Brasileira" é obra imperdível.
Vão aí algumas curiosidades, em
uma primeira leitura, apressada
e ansiosa:
Alzirinha Camargo - A jovem
cantora, que um dia tentaram rivalizar com Carmen Miranda,
nasceu em 1915, no Brás, em São
Paulo. Não consta data da morte.
Foi em 1980, em Santos, onde terminou seus dias como enfermeira
da Santa Casa. Ao enterro compareceu apenas uma amiga de
juventude, Eros Volúsia. De dona
Célia de Toledo Lara, de Itapetininga, recebi e-mail dando conta
que Alzirinha foi para lá, formou-se e trabalhou algum tempo
como professora. Foi trazida para São Paulo por Pinheirinho,
bandolinista dos anos 30, irmão
de Anésia Pinheiro Machado,
primeira aviadora do Brasil.
Na minha infância, minha mãe
cantava uma marchinha maliciosa, divertidíssima, chamada
"Flauta de Bambu" ("Eu ganhei
uma flauta de bambu / Dia e noite toco flauta, toco flauta pra
chuchu"). Pelo tom malicioso,
julgava ser de João de Barro. É do
baiano Sá Roris, em parceria com
o caricaturista Nássara, e foi gravada por Jararaca.
"Cajita de Musica" - Peça clássica do repertório violonístico
brasileiro, foi composta aos 11
anos de idade pelo professor
Isaías Sávio (1900-1977), uruguaio, amigo da família, e que foi
mestre dos maiores violonistas
brasileiros do século.
O embaixador Walther Moreira Salles, que foi amigo de Ary
Barroso em Poços de Caldas, me
disse certa vez que o compositor e
pianista teve aulas de música
com um pistonista negro lá da cidade mesmo.
No verbete de Aimoré (violonista paulista que fez duo com Garoto), informa-se que em 1924 ele
estudou música com Tango (Sebastião Patrício), pistonista da
banda de Poços de Caldas.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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