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OPINIÃO ECONÔMICA
O afobado come cru, mas o atrasado perde o trem
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A era Lula trouxe de volta à
política o uso de metáforas
de cunho popular. As opiniões sobre essa forma quase simplória de
comunicação de nosso presidente
se dividem; temos os que a defendem como forma eficiente para
discutir questões de relevância
com a sociedade e os que entendem que a função de presidente
da República exige uma certa liturgia para seu exercício.
Esse comportamento está permeando os membros do governo,
inclusive na sisuda e conservadora equipe econômica. Ontem
mesmo o secretário de Relações
Internacionais do Ministério da
Fazenda usou uma dessas metáforas populares em seu contato
com a imprensa. Ao se referir à
decisão do governo de aumentar
nossas reservas internacionais,
ele pede calma na ação, ao lembrar que "o afobado come cru".
Ele procurava certamente qualificar declarações anteriores de seu
superior hierárquico, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, que, também em entrevista à imprensa, explicitou essa nova postura do governo.
Para responder ao nosso cauteloso secretário, vou recorrer também à sabedoria popular. Se o
"afobado come cru", o "atrasado
perde o trem"! O trem a que me
refiro é uma metáfora para a situação internacional atípica que
vivemos desde de que o Federal
Reserve, o banco central americano, inundou o mundo com liquidez monetária.
Esse excesso de dólares provocou uma queda brutal dos juros
de médio prazo na economia
mundial. Diante de taxas muito
baixas, os investidores passaram
a buscar ativos de maior risco
-e, portanto, que pagam juros
mais elevados- para defender a
rentabilidade de seus investimentos.
Essa situação de liquidez é claramente temporária. Os mais otimistas esperam que ela dure até
as eleições americanas, no ano
que vem. Os mais pessimistas falam em uma mudança ainda no
primeiro semestre de 2004. Temos, portanto, menos de um ano
para aproveitar essa liquidez farta e aumentar, como já fizeram
vários países em desenvolvimento, nossas reservas externas.
Outra declaração importante,
ou melhor, preocupante do sr. Canuto é a de que ele entende que
devemos ir devagar na recomposição das reservas porque nossa
vulnerabilidade externa é resultado principalmente de nosso
passado de "déficits" fiscais. Repete aqui o raciocínio que foi dominante nos anos do ministro Pedro Malan e que foi desenvolvido
na Escola de Economia da PUC
do Rio de Janeiro.
Segundo o entendimento desse
grupo de economistas, os agentes
internacionais pautam suas decisões de investimento ou de especulação olhando para o equilíbrio
macroeconômico do Brasil, e não
para a realidade financeira de
nossas contas externas. Afirmo
que essa posição é perigosa e ingênua. A confiança na qualidade
da gestão pública de itens importantes, como o Orçamento e o
controle da inflação, é condição
necessária para a estabilidade externa de uma economia como a
brasileira. Mas não é suficiente
para que, em tempos de crise, não
ocorram ataques especulativos
contra a moeda.
Principalmente porque a relação dívida pública e PIB no Brasil
ainda é muito elevada. Nessa situação estrutural de tensão financeira, é preciso que essas duas
percepções, a responsabilidade
macroeconômica e a musculatura das reservas, ocorram simultaneamente para que se criem as
condições de estabilidade externa. Uma nova metáfora me vem
à mente: "É preciso de alma e porrete" para enfrentar esses bárbaros.
Uma outra forma de visualizar
nossa fragilidade externa é considerar o descompasso entre o passivo externo ampliado e o volume
de reservas do Banco Central.
Chamo de passivo externo ampliado a soma de todos os contratos que existem em nossa economia e que têm o dólar, ou outra
moeda forte, como referência. Esses contratos incluem as operações passivas em moeda forte, os
ativos de empresas internacionais
que operam no Brasil, os ativos financeiros denominados em reais
e que têm um passivo em moeda
forte na sua origem, as operações
de comércio exterior de médio
prazo, além de um valor, mais difícil de ser estimado, representado
pelas operações especulativas
contra o valor de nossa moeda em
momentos de dificuldade.
A existência desse descompasso,
entre reservas e passivo externo
ampliado, é de conhecimento do
mercado. Em momentos de possível crise de confiança em relação
à taxa de câmbio, seja por motivação interna ou externa, ele potencializa a demanda por ativos
indexados ao câmbio. A única
forma de evitar uma crise externa, quando isso ocorre, é ter um
volume adequado de reservas para acalmar os mercados.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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